Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 08 de fevereiro de 2016

A Escolha (2015): um romance com um roteiro assassino

Mais um romance previsível e tedioso de Nicholas Sparks adaptado para a telona, desta vez, o de pior roteiro, que, porém, agradará aos fãs incondicionais.

thechoiceA indústria do cinema é norteada pelo lucro, tendo encontrado em Nicholas Sparks uma mina de ouro. O famoso escritor rendeu 11 filmes em 16 anos, todavia, como se sabe, quantidade e qualidade nem sempre andam juntos. “A Escolha” é, provavelmente, o pior dos 11.

O longa é protagonizado por Travis (Benjamin Walker, fraquíssimo), rapaz de vida tranquila e bem confortável numa cidade de interior e que evita relacionamentos sérios até conhecer a estudante de medicina Gabby (Teresa Palmer, em seu pior trabalho), sua nova vizinha, por quem logo se interessa. Na primeira interação entre eles, ela deixa clara a sua antipatia por ele (é reticente até mesmo para revelar seu nome), mas é óbvio que eles se apaixonariam perdidamente. O primeiro obstáculo para esse amor – e para que eles sigam suas vidas perfeitas e felizes também no aspecto afetivo – é Ryan (Tom Welling, que quase não aparece), o namorado de Gabby.

Uma história tediosa, como a maioria dos romances de Sparks importados para o cinema. No geral, casais bonitos, felizes, caucasianos, de boa condição financeira… tudo tão platônico que se torna insípido. Há uma fórmula básica que ele segue, fazendo pequenas alterações – nos filmes, um diretor novo (desta vez, Ross Katz, que só “inova” no rack focus das cenas finais) e artistas diferentes. É bem verdade que, para os fãs incondicionais do gênero e da obra de Sparks, o longa não vai decepcionar pelo padrão que segue. Contudo, é inegável que “A Escolha” é apenas mais do mesmo, é previsível. Além disso, tudo que está lá é copiado de histórias pretéritas (do próprio escritor ou não). Isso mesmo, originalidade zero.

É cabível uma abordagem ainda mais profunda. Primeiramente, na perspectiva filosófica, existe uma moralidade questionável: com tantas mulheres solteiras e interessadas por Travis, por que ele vai investir em uma comprometida e que aparentemente não tem interesse algum por ele? Há uma cena no início em que dois de seus amigos conversam e um deles afirma que “Travis é bom com as mulheres” (tanto que flerta concomitantemente com duas e acaba saindo com uma terceira). O interesse incondicional em Gabby traz à tona uma dúvida: ele realmente se apaixona por ela ou o desafio que ela representa é que o atrai?

Por sua vez, na perspectiva psicanalítica, verifica-se que Travis é frágil, precisando ser sempre posto à prova – Gabby é o seu desafio. Ele não tem superego, precisando obedecer cegamente seu id (ou seja, seu desejo não tem freios). Na mesma linha de raciocínio, mas aplicada a Gabby, Travis representa objeto de desejo sexual que se converte em obsessão – e a obsessão, após concretizada, se converte catarticamente em amor. E ela também abandona os imperativos morais do superego e obedece ao princípio do prazer presente em seu inconsciente.

Qualquer olhar intelectualmente severo faz poeira do péssimo roteiro de “A Escolha”. Além da falta de originalidade (1), é previsível do começo ao fim (2), faz menoscabo das figuras femininas (3) e insere subtramas jamais verticalizadas (4). Gabby tem um relacionamento monogâmico e o desrespeita, enquanto Travis é apenas um mulherengo que foge dos laços afetivos monogâmicos; além disso, das duas figuras femininas de menor importância, uma é praticamente figurante (Maggie Grace, atriz boa em um filme ruim), e a outra é o símbolo da coisificação da mulher (chega a ser comparada a um bumerangue) e da ausência de amor próprio (Alexandra Daddario, outra atriz boa em um filme ruim).

Nesse caso, o que há de bom em “A Escolha”? Uma fotografia bonita. De ruim, um roteiro assassino, que, com apenas 4 golpes, mata o filme em todos os demais aspectos.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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