Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Steve Jobs (2015): drama mostra o homem por trás do gênio

Um ótimo filme de Danny Boyle, mas com um final que Spielberg assinaria.

Steve Jobs é uma das personalidades mais marcantes do mundo da tecnologia em todos os tempos. Entre várias outras coisas, foi o responsável pela popularização do computador pessoal, dos tocadores de mp3 e dos smartphones. Como se fosse pouco, ainda foi peça fundamental na criação da Pixar, um dos estúdios mais lucrativos da história do Cinema. Apenas a sua trajetória como empresário já seria suficientemente digna de virar um filme. No entanto, seu gênio complicado e vida pessoal atribulada ajudam a compor um personagem interessantíssimo, que ganha vida nas telas dos cinemas pelas mãos do ganhador do Oscar, Danny Boyle.

O filme tem início com o apoteótico lançamento do Apple Macintosh em 1984, porém sob um ponto de vista menos conhecido pelo grande público: o camarim onde Jobs (Michael Fassbender) se preparava para sua palestra, com a ajuda de sua assistente Joanna Hoffman (Kate Winslet). Porém, pouco antes de sua palestra, ele é interpelado por Chrisann Brennan (Katherine Waterston) e sua filha Lisa (Makenzie Moss). Enquanto discute com a ex-namorada sobre a paternidade da criança e sua consequente responsabilidade, ainda é interrompido pelo velho amigo Steve Wozniak (Seth Rogen). Esta longa sequência inicial apresenta com precisão os personagens principais, além de estabelecer algumas características de Jobs, como o perfeccionismo, vaidade, narcisismo, orgulho e, até certo ponto, a intransigência e grosseria com que lidava com aqueles a seu redor (como ao ameaçar o responsável pelo software de uma humilhação pública caso não resolvesse um problema quase insolúvel).

E assim o roteiro de Aaron Sorkin se desenrola por toda a projeção: vários fatos marcantes conhecidos pelo público são apresentados (com algumas licenças criativas aqui e ali) por um prisma mais intimista, com ênfase no impacto pessoal que aquilo tem sobre o protagonista. E o mais interessante: não vemos tais fatos famosos ocorrerem em tela, como a argumentação utilizada para tirar John Sculley da Pepsi no fim da década de oitenta, as brigas com Bill Gates ou o controverso caso de espionagem na Xerox, mas sim versões contadas pelos envolvidos em tais eventos.

Outro aspecto que merece destaque no script é não ter a menor cerimônia em mostrar traços negativos da personalidade de Jobs, como a falta de empatia e o total desprezo por aqueles que ele considera inferior. Também chama a atenção como ele aparenta viver em um mundo próprio, onde não tem noção das dimensões dos problemas a seu redor ou mesmo dos prazos incoerentes para entregar seus projetos megalomaníacos. Um bom exemplo disso é o impressionante embate que tem com John Sculley (Jeff Daniels) sobre a sua saída da Apple, em que cada palavra torna o ambiente tão tenso a ponto de, ao final da discussão, deixar o espectador grudado na cadeira como se estivesse presente naquela mesma sala.

Jeff Daniels tem sua segunda grande atuação no ano. É impressionante a força que ele confere em seu papel, surgindo ao mesmo tempo como algoz, mentor e figura paterna do protagonista. Kate Winslet transforma Joanna Hoffman no mais próximo de uma amiga que seu chefe pode ter. Afinal, ela é a única capaz de mudar a ideia de Jobs ou capaz de desafiá-lo em suas atitudes. Já Seth Rogen tem sua atuação comprometida não pelo seu talento, mas pela sua persona, que dificulta a apreensão de Wozniak como algo mais que um alívio cômico. No entanto, depois de superada essa barreira, ele se torna um catalisador do público para a compreensão da profundidade que é seu velho amigo e antigo sócio. Ele se torna responsável por alguns dos melhores diálogos do longa, como o momento em que contesta a intenção de Jobs em transformar um computador em uma obra de arte, ou quando ouve a resposta sobre qual a função de cada um na empresa.

Como não poderia deixar de ser, Michael Fassbender é o grande astro da obra. Ele transmite com uma perfeição assustadora todos os trejeitos físicos de seu personagem, desde o visual esquálido até o modo de falar entre os dentes, a expressão corporal, e o modo de andar, ligeiramente manco. E tudo isso colabora em refletir a personalidade quase doentia que lhe era tão peculiar. Porém, o ator também consegue conferir pequenos relances de doçura, como no momento em que percebe o trabalho que Lisa fez ao utilizar pela primeira vez o computador que ele desenvolveu.

Já Danny Boyle se mostra um maestro quase perfeito para conduzir esse trabalho. O diretor faz uso de recursos recorrentes em sua filmografia, como vários flashback e uma fotografia repleta de cores quentes e uma edição bastante dinâmica o que faz com que o filme jamais caia de ritmo, além de manter a plateia vidrada durante toda a projeção.

Infelizmente, o terceiro ato é marcado por uma redenção desnecessária, que beira a pieguice e vai contra toda o desenvolvimento do personagem que vimos no desenrolar da história, apesar de ser, sem dúvida, uma maneira tocante e contundente de mostrar Jobs como um dos maiores gênios das últimas décadas.

David Arrais
@davidarrais

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