Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 03 de dezembro de 2015

Bem Casados (2015): boas ideias, abordagem confusa e um saldo acima da média nacional

Ainda que de maneira atrapalhada e irregular, longa conta com bons momentos e consegue se destacar ante as bisonhas obras do gênero que nos acostumamos a ver no circuito comercial brasileiro.

BemCasados_PosterMuito se critica a forma tacanha com que é feito e tratado o cinema comercial brasileiro. Tomado principalmente por uma enxurrada de comédias enlatadas e sem graça, a alternativa para quem quer realmente ver cinema tupiniquim de qualidade quase sempre é mesmo o circuito alternativo de mostras e festivais. Ainda que bastante irregular, não sabendo definir bem o tom que pretende adotar, este “Bem Casados” não deixa de ser um sopro razoavelmente virtuoso em meio a tal mar de mediocridade. O que fica difícil de interpretar é se isso é mais mérito deste, ou demérito do resto. Talvez um pouco de cada…

A proposta é boa. Heitor (Alexandre Borges) é um solteirão convicto de meia idade dono de uma produtora que, através desta, ganha a vida filmando festas de casamento, tendo como seu braço direito na empresa a recatada, mas eficiente e pró-ativa, Alice (Bianca Comparato). Tudo muda de figura quando, ao fechar um negócio para uma grande festa de pessoas importantes, ele acaba se envolvendo com Penélope (Camila Morgado), a charmosa amante do noivo, que pretende arruinar o casório.

A salutar ideia de se criar uma teia complexa de personagens com personalidades, índoles e interesses completamente conflitantes entre si, em situações que mais parecem um barril de pólvora prestes a explodir, acaba esbarrando na falta de habilidade do diretor Aluizio Abranches em conduzir a trama num ritmo minimamente adequado. Frequentemente perdido entre ser uma comédia de fato, que explore tais cenários com afinco, ou um dramalhão sobre a vida deste homem contraditório por natureza, também, o longa em nenhum momento parece seguro daquilo que intenciona passar para o espectador.

Neste sentido, não sabemos exatamente quem é o Heitor que estamos acompanhando; o tal solteirão decidido e pegador, ou o quase cinquentão que toma antidepressivos e se confessa na igreja com seu padre descolado? Tudo parece uma grande bagunça, e Abranches, nesse caso, pouco pode fazer com o roteiro confuso e desalinhado que herdou de Fernando São Thiago, que também faz uma ponta no filme como ator, dando vida a outro personagem deslocado, que parece ter sido posto ali apenas para que todos terminem a história de casalzinho, como o mais mexicano dos finais de novela.

Me arrisco a dizer que preferia a faceta mais cômica do roteiro, e que felizmente é aquela que mais se mostra durante os 90 minutos de projeção. Desse modo, o longa conta com bons momentos, sempre escorado nas boas atuações do ótimo casal principal interpretados por Borges e Morgado. Embora inconstante e não sendo lá uma comédia muito refinada, a trama jamais se rende aos clichês escancarados que tomaram conta de tal gênero no nosso cinema, rendendo obras cada uma mais bizarra do que a outra, e somente por isso já merece o mínimo de reverências.

Simples e inofensivo, “Bem Casados” é daqueles filmes com pretensões pouco ambiciosas, e exatamente por isso deve ser avaliado sob este prisma. Confuso e apoiado em algumas decisões de produção questionáveis, o fato é que, mesmo aos trancos e barrancos, o longa cumpre aquilo que se propõe (isto é, quando decidido de que proposta é essa) com razoável eficiência.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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