Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Jogos Vorazes – A Esperança: O Final (2015): Nós lembraremos do Tordo

Apesar de inferior aos longas anteriores, este capítulo final da saga "Jogos Vorazes" entrega um encerramento digno para a franquia, graças ao talento de Jennifer Lawrence e suas alegorias sobre a guerra que, infelizmente, mostram-se atuais e relevantes.

imageE finalmente a saga d’O Tordo chega ao fim com “Jogos Vorazes – A Esperança: O Final”. Devo lembrar que esse texto é uma crítica DO FILME, não importando o que tem ou deixa de ter no livro. A obra original deve ser deixada de lado ao se analisar a sua adaptação cinematográfica. Se a série vinha em um crescendo fascinante até o capítulo anterior, aqui o inverso ocorre. Isso porque a divisão da conclusão da história em dois filmes prejudicou um pouco a parte derradeira da trama.

Sob a batuta de Francis Lawrence, a ação começa imediatamente onde o antecessor termina. Katniss (Jennifer Lawrence) ainda está se recuperando do ataque de Peeta (Josh Hutcherson), que sofreu lavagem cerebral para tentar matar a garota. Sedenta por se vingar do Presidente Snow (Donald Sutherland), Katniss se envolve cada vez mais na guerra entre a Aliança liderada por Alma Coin (Julianne Moore) a Capital presidida por Snow. A jovem, ao lado de um cada vez mais militar Gale (Liam Hemsworth), se junta ao esquadrão 451 da Aliança para o derradeiro ataque contra as forças da Capital.

Algo que pode ser frustrante para muitos espectadores é o fato de que vemos muito pouco da batalha entre a Capital e a Aliança de Distritos. Apesar do Esquadrão 451 (referência pouco sutil, mas bastante efetiva ao livro “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury) ser formado por guerreiros de elite, o grupo está lá apenas para efeito de propaganda, servindo como rostos conhecidos a serem vistos em uma zona de guerra.

E isso faz sentido, pois “Jogos Vorazes” nunca foi sobre guerra, mas sim sobre Katniss. A jovem nunca pediu para se tornar um símbolo de resistência ou uma mártir da revolução. Seu envolvimento na política de Panem começou de forma pessoal, com sua tentativa de salvar a vida sua irmã, Prim (Willow Shields), e é ótimo que suas intenções sigam assim, especialmente em seu ato derradeiro.

Defendida com a garra e o talento usuais de Jennifer Lawrence, Katniss se vê no centro de um conflito que, aos poucos, ela percebe ter pouco a ver com a liberdade do povo de Panem, mostrando que Coin pode ser tão perigosa quanto o atual presidente. O ponto alto da personagem aqui é em um curto, mas pungente diálogo entre ela e Snow, com o cinismo e a arrogância exalados por Donald Sutherland tornando essa cena uma delicia de ser assistida.

E é do veterano ator o momento mais interessante do filme, onde, com uma risada, Snow prova ser o melhor personagem da saga. Por falar em cinismo e desfaçatez, todas as sequências envolvendo Coin e Plutarch são arrebatadoras, graças à química entre Julianne Moore e Philip Seymour Hoffman. A lamentável morte deste último, aliás, foi bem contornada pela produção, com exceção de uma cena onde o roteiro teve de dar uma desculpa pela ausência de seu personagem.

O problema está no excesso de enrolação no miolo da projeção. Muito tempo é gasto em plots desnecessários, como na deslocada e quase cômica cena onde Peeta e Gale discutem suas respectivas relações com Katniss, o que torna o ritmo da produção oscilante, além de diminuir um pouco o trabalho de atores como Josh Hutcherson e Liam Hemsworth. Hutcherson, especialmente, apesar de ter alguns ótimos momentos demonstrando quão quebrado Peeta se encontra, acaba sendo sabotado pelo arco falho de seu personagem, que avança e se resolve a solavancos.

Há ainda o fato de que boa parte dos membros do Esquadrão 451 parecem ser meros “camisas vermelhas”, cujos destinos pouco importam para a trama central ou para os espectadores – a exceção é o carismático Finnick (Sam Claflin), que tem o seu arco praticamente telegrafado para o público em seus diálogos. É uma pena também que atores de presença forte como Woody Harrelson e Jena Malone, que roubam todas as cenas em que aparecem, surjam tão pouco na tela.

A alegoria da trama se mostra infelizmente atual, com o teatro da guerra armado por Snow e Coin sendo um espetáculo midiático, descrito adequadamente por Finnick como uma nova edição dos Jogos Vorazes. Até mesmo a morte de alguns soldados é anunciada pela capital com a mesma fanfarra dos Jogos. Um dos marcos finais da guerra é pontuado por um desfile em uma avenida da Capital que lembra muito a Sapucaí carioca. Tudo se transforma em panis et circences, não importa quem esteja no comando.

As cenas de ação são competentes, com especial destaque a um breve, mas tenso, confronto no Distrito 2 e a uma perseguição envolvendo bestantes, criaturas que parecem saídas da Corporação Umbrella e deveras perigosas. Em um detalhe técnico, é uma pena que a já sombria fotografia tenha sido sabotada pelo uso do 3D, que escurece o que vemos na tela, provando que o mercado estadunidense acertou em não lançar o filme neste formato por lá – e ressaltando o erro da Paris Filmes em distribuir o longa quase que exclusivamente assim por aqui.

Mesmo com todos os problemas e com um epílogo que emburrece desnecessariamente a produção, “Jogos Vorazes – A Esperança: O Final” é uma conclusão digna para uma saga que soube lidar com temas pesados com uma linguagem ágil e jovem e que comprovou o talento de Jennifer Lawrence para o grande público.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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