Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Grace de Mônaco (2015): muita política, pouco coração

Frio e perdido em suas propostas, longa que acompanha a vida de Grace Kelly mais se aproxima de uma espécie de "Game of Thrones" de botequim, do que de uma cinebiografia dramática e pessoal em sua essência.

Grace Kelly foi ugracedemonacoma das grandes estrelas do cinema hollywoodiano da década de 50. Apesar de ficar bastante conhecida por ser uma das musas de Alfred Hitchcock, protagonizando obras lendárias do diretor, como “Disque M para Matar” e “Janela Indiscreta”, foi com seu trabalho em “Amar é Sofrer”, de George Seaton, que ela conseguiu o prêmio máximo do cinema, a estatueta do Oscar. Com uma carreira tão brilhante quanto efêmera, Grace Kelly foi um verdadeiro meteoro que cruzou os céus do cinema americano e ultrapassou quaisquer fronteiras. Abdicou de tudo isso quando se casou com o príncipe de Mônaco, na França, se tornando a princesa Grace de Mônaco. Sua última atuação foi no filme “O Cisne”, de Charles Vidor, em 1956, apenas 5 anos depois de sua primeira aparição, em “Horas Intermináveis”, de Henry Hathaway.

Dona de uma trajetória literalmente cinematográfica, é evidente que Grace Kelly não poderia deixar de ter sua história, que beira a fantasia, contada em tela grande. E é com uma referência neste sentido que começa este “Grace de Mônaco”, com direção de Olivier Dahan, roteiro de Arash Amel e tendo Nicole Kidman no papel principal, que acompanha a vida de Kelly a partir do momento que ela assume sua posição como esposa do herdeiro de um trono europeu. “A ideia de que minha vida é um conto de fadas é, em si, um conto de fadas”, frase de sua própria autoria, abre esta que acaba sendo uma obra muito aquém de suas pretensões e da própria jornada da estrela hollywoodiana.

Confesso que, um pouco traumatizado pelas adaptações de biografias e histórias reais recentes para o cinema, o mínimo que eu esperava, aqui, era uma obra com belos cenários, planos memoráveis e todo aquele charme e classe das elites daquela época bem representados. Afinal, o enredo se passa em Mônaco, um dos mais encantadores lugares da Europa Ocidental. Mas nem isso.  A abordagem de Dahan é extremamente burocrática, preferindo utilizar planos mais fechados e ângulos inclinados, no intuito de ilustrar como o mundo de Kelly é claustrofóbico e infeliz, apesar de parecer um conto de fadas para quem só o vê à distância. A intenção é das melhores, mas o efeito provocado não é o que se espera, uma vez que já somos introduzidos naquele ambiente como um meio completamente melancólico, faltando-nos parâmetro para comparação. Afinal, como era Grace Kelly quando feliz e estrela do cinema mundial?

Nicole Kidman, como excelente profissional que é, está bem como sempre, mas é prejudicada por um roteiro perdido, que não sabe de onde veio e não aonde quer chegar. Assim, uma hora vemos sua personagem alegre, outras vezes triste, angustiada, com raiva, nostálgica, etc. Qual personalidade é a verdadeira? Abrindo espaço sempre mais para as questões políticas envolvendo Mônaco e França, e consequentemente o seu marido, o príncipe Rainier III (Tim Roth), esse é um questionamento que não encontra tempo para ser respondido. Como as coisas são colocadas, Grace Kelly parece já ter se casado a contragosto, e em nenhum momento parece realmente feliz. Até o instante, claro, que devido a uma luz de procedência provavelmente divina, a faz aceitar a nova vida que tem e tomar o seu lugar definitivo como princesa de Mônaco, recusando o papel que Hitchcock lhe havia oferecido em sua próxima película, “Marnie – Confissões de uma Ladra”, e virando para sempre as costas para Hollywood e tudo de bom que lhe foi proporcionado pela indústria.

Frio e sem qualquer tipo de arco dramático mais bem desenvolvido, “Grace de Mônaco” prefere apostar em easter eggs e curiosidades para tentar se conectar com seu público. Seja nas aparições pontuais de Hitchcock, com seus projetos (até “Os Pássaros” é mencionado en passant) e modo caricato de se portar e expressar, nas cenas iniciais de Kelly em um set de filmagem, se despedindo da vida que a consagrou, ou até mesmo nas intervenções de Charles De Gaulle na política de Mônaco. Fan service puro, ou no máximo uma tentativa mal sucedida de dar destaque à tramoias e conspirações políticas, numa espécie de “Game Of Thrones” de botequim, deixando totalmente de lado a sua essência de cinebiografia.

Impossível não sair da sala de cinema com um gosto meio amargo de que a experiência poderia ter sido bem melhor. Pelo furacão que foi Grace Kelly, tanto nas telas de cinema quanto fora dela, em que pese sua curta carreira como atriz cinematográfica, bem como por todos os importantes indivíduos envolvidos, sua vida (ou parte dela, no caso) merecia uma representação em tela grande muito mais digna. Ficou devendo.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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