Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 09 de novembro de 2015

007 Contra Spectre (2015): um pé no passado, o outro no presente

Certamente o longa da era Craig que mais reverencia os filmes clássicos da franquia 007, esta segunda empreitada de Sam Mendes com o espião é deveras efetiva, mesmo mostrando uma inquietante indecisão quanto ao tom que deseja adotar.

Após presentear os cinéfilos com o filme perfeito para comemorar os cinquenta anos de James Bond nos cinemas com “007 – Operação Skyfall”, o diretor Sam Mendes recebeu a difícil tarefa de repetir a dose. Ora, seu trabalho anterior na série rendeu o longa de maior bilheteria da franquia, foi quase que unanimemente elogiado e ainda levou dois Oscars. A má notícia é que “007 Contra Spectre” não deve ter uma carreira tão vitoriosa assim e certamente dividirá opiniões.

O longa completa uma transição já iniciada no seu antecessor, que aproximava o personagem-título interpretado por Daniel Craig do Bond mais extravagante vivido por Sean Connery e Roger Moore. Esse é o primeiro filme da era Craig que poderia ser facilmente estrelado por algum de seus antecessores.

Se passando pouco tempo após a morte de M (Judi Dench) e da destruição de Skyfall, a nova aventura de 007 começa com o agente agindo sem sanção do seu governo, em perseguição a um terrorista na Cidade do México. Mesmo suspenso pelo novo M (Ralph Fiennes), Bond começa a investigar uma organização criminosa da qual seu alvo fazia parte, que é comandada por Franz Oberhauser (Christoph Waltz), uma figura do seu passado. Enquanto isso, em Londres, M tenta salvar a Seção 00 de ser dissolvida por seu superior, C (Andrew Scott).

O que vemos é que o protagonista soturno e (relativamente) mais pé-no-chão de “007 – Cassino Royale” e “007 – Quantum of Solace” agora se encontra em um universo com mais exagerado e bem humorado. Se em “Skyfall” Bond amarrava sua abotoadura ao entrar pelo teto em um vagão de um trem, aqui ele se permite aterrissar em um sofá e ter uma conversa sobre relacionamentos com Moneypenny (Naomie Harris) durante uma insana perseguição automobilística, justamente contra Hinx, um capanga silencioso com um método pouco ortodoxo de eliminar suas vítimas (Dave Bautista, seguindo a tradição de Jaws e Oddjob).

Além disso, o surgimento da organização Spectre nesta encarnação da franquia já escancara a intenção de Mendes e dos roteiristas John Logan, Neal Purvis, Robert Wade e Jez Butterworth em inserir elementos marcantes do passado da série. O grande problema do longa é justamente que essas características por vezes entram em conflito com o status quo do universo estabelecido em 2008 por “Cassino Royale”, com a integração entre essas duas eras sendo menos suave que em “Skyfall”.

O resultado é um filme que, mesmo com cenas extravagantes como nos longas de outrora da franquia, ainda tem um pé em uma pseudo-verossimilhança que conflita com as bugigangas do herói e com os esconderijos exóticos e esquemas elaborados do vilão. Não ajuda também a tentativa do guião em interligar as ações da Spectre com as dos antagonistas anteriores da Era Craig. Até mesmo a aparição do Sr. White (Jesper Christensen) poderia ser feita sem essas ligações, que quase sempre soam forçadas.

Essa bipolaridade do roteiro acaba prejudicando a atuação de Daniel Craig. O ator continua como o mais intenso dos intérpretes de 007, mas parece desconfortável com as situações mais absurdas desta fita. Em contrapartida, está perfeito nas cenas dramáticas e mostra que compreende como ninguém esse lado mais trágico do personagem.

Além disso, Craig demonstra uma bela química com Léa Seydoux, que vive a Dra. Madeleine Swann como alguém tão traumatizada por seu passado quanto Bond, sendo uma pena que o filme jogue isso na nossa cara (“A filha de um assassino, a única que poderia entendê-lo”) e ainda tente, em seus minutos finais, dar uma lição de moral que simplesmente não faz nenhum sentido dentro da trama.

Uma característica única desse longa é o fato deste 007 contar com uma equipe de apoio mais atuante, com M, Moneypenny, Q (Ben Whishaw) e Tanner (Rory Kinnear) ajudando o protagonista no campo em determinados momentos do filme. Nada no nível do apoio que Ethan Hunt recebe na franquia “Missão: Impossível”, mas é interessante ver o quase sempre solitário Bond tendo alguma ajuda, sem contar que todas as interações de Moneypenny e Q com 007 são bem divertidas.

É uma pena que a subtrama política envolvendo M e C seja tão dispensável (e perigosamente similar àquela vista em “Missão: Impossível – Nação Secreta”), subutilizando o carismático Andrew Scott, que surge aqui apenas como uma sombra do Moriarty da série “Sherlock”. Também criminosamente mal usada, Monica Bellucci faz o que só pode ser descrito como figuração de luxo, tendo menos de cinco minutos de tela.

Outra decepção é o vilão em si. Depois do tour de force dado por Javier Bardem em “Skyfall”, que havia criado um antagonista único e carismático com Silva, temos Christoph Waltz basicamente repetindo os maneirismos vistos em “Bastardos Inglórios”.

O longa soube preparar a chegada de Oberhauser ao envolvê-lo em sombras nas suas primeiras aparições e mostrando o pânico que os demais membros da Spectre têm do líder da organização, mas vemos pouco que justifique esse temor e ele parece algo requentado, mesmo no que deveria ser o clímax da produção – e quando o próprio filme insiste em nos lembrar de Le Chiffre e Silva, Oberhauser empalidece ainda mais.

As cenas de ação do filme entregam o belo espetáculo pirotécnico que estamos acostumados. Começando com um plano sequência magnífico orquestrado por Sam Mendes e pelo diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema que culmina em uma perseguição em meio ao desfile do Dia dos Mortos, passando por um duelo entre avião e carro e culminando em um intenso confronto físico entre Bond e o intimidante brutamontes Hinx, todas essas sequências se mostram tensas e visualmente marcantes, especialmente no formato IMAX – embora o tiroteio na base de Oberhauser seja bem qualquer nota, assim como o confronto final entre os dois.

Apesar de ser deveras irregular, “007 Contra Spectre” ainda é um longa bem divertido e entrega também um final que pode muito bem servir como um desfecho adequado para a atual era dentro da franquia. E, seja com Daniel Craig ou com um novo ator, todos sabem que “JAMES BOND WILL RETURN”.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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