Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de outubro de 2015

A Possessão do Mal (2014): um bom início, mas com um final pouco criativo

Excesso de clichês no terceiro ato prejudica filme com ótimo potencial.

O gênero terror é provavelmente aquele que mais recicla ideias de tempos em tempos. Depois da onda de refilmagens de títulos orientais (muitas vezes com resultados pasteurizados e sem a essência de seus originais), o que parece estar crescendo novamente em Hollywood é o found footage, o tipo de filme em que assistimos filmagens realizadas por algum membro do elenco. O diretor David Jung é o responsável pelo mais recente representante do estilo com “A Possessão do Mal”, escrito por ele mesmo, em parceria com Ted Sarafian.

Aqui, o documentarista Michael King (Shane Johnson) decide, depois da morte de sua esposa Sam (Cara Pfiko), fazer um registro definitivo da existência de entidades astrais, boas ou más. Para isso, faz uma peregrinação por vários médiuns, satanistas, padres e videntes para investigar a relação e influência que tais entidades tem, ou podem vir a ter, sobre as vidas dos mortais. Porém, todas as certezas de King são colocadas em xeque quando ele começa a se envolver com coisas cada vez mais obscuras.

O desenvolvimento da trama se dá de forma bem orgânica, a partir do ceticismo de King, que sempre inicia suas entrevistas com uma elevada dose de descrença, chegando várias vezes a ridicularizar seus entrevistados. O roteiro até leva o público a concordar com tais atitudes, uma vez que todos os rituais satânicos a que Michael é submetido são sempre repletos de drogas alucinógenas. Dessa forma, quando coisas estranhas começam a acontecer, somos levados a crer que trata-se apenas de sugestão psicológica. Até mesmo os sustos acontecem numa crescente, desde o clichê da pessoa que surge inadvertidamente com um súbito aumento do volume de alguns acordes da trilha sonora até as angustiantes sessões de autoflagelação do protagonista no terceiro ato.

E a trilha sonora, apesar de não ser uma obra-prima, realiza com sucesso sua função, de criar uma atmosfera tensa, que não permite que o espectador relaxe em nenhum momento ao longo da projeção. E ela também remete à evolução da narrativa, uma vez que a cada novo argumento que surge, um novo elemento é acrescentado à música.

Nos aspectos visuais, o longa também é realizado com competência. A montagem mantém o ritmo de acordo com a necessidade do que surge em tela. É frenética, cheia de cortes rápidos, ao passar entre as câmeras de segurança instaladas por King em sua casa, ao passo que mantém planos mais longos nas primeiras entrevistas, quando tudo ainda acontece com normalidade. Infelizmente os efeitos visuais, apesar de estarem no mesmo nível de esmero, são utilizados de formas pouco criativas, como olhos ensanguentados, pupilas dilatadas e levitações sobrenaturais, acrescentando pouco ao que o público do gênero já está acostumado.

Felizmente, Shane Johnson consegue segurar a responsabilidade de carregar a obra inteira, uma vez que ele atua praticamente sozinho por quase noventa por cento do filme. Seus rompantes de preocupação, ódio e desespero retratam bem todo aquele turbilhão de emoções a que seu personagem está sendo submetido. A pequena Ella Anderson (que interpreta sua filha Ellie) e Julie McNiven (que interpreta sua irmã Beth), pouco tem a fazer com participações, ainda que importantes, tão pequenas.

Infelizmente, todo esse desenvolvimento de trama e personagem tão bem executados quase é desperdiçado no terceiro ato quando os realizadores caem na tentação de abusar dos clichês, com uma resolução previsível que deixa o público com a sensação, equivocada, que viu mais do mesmo.

David Arrais
@davidarrais

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