Cinema com Rapadura

Críticas   terça-feira, 15 de setembro de 2015

Nocaute (2015): a velha formula da superação

Sem qualquer ambição artística, o filme tem como destaque a poderosa atuação de Jake Gyllenhaal, mas traz uma trama agridoce, formulaica e com poucas surpresas.

Originalmente concebido para ser uma sequência não-oficial de “8 Mile: Rua das Ilusões” (2002), onde o raper americano Eminem (que participa com duas canções) reprisaria novamente seu papel, “Nocaute” acabou se transformando em outra coisa semelhante. Primeiro, Jake Gyllenhaal assumiu o posto de protagonista e abraçou completamente a causa. Para viver o lutador Hope, o ator começou uma rotina intensa de treinamentos específicos entre musculação e artes marciais, estando numa forma física que jamais obteve.

A missão de fazer o novo roteiro ficou a cargo do showrunner Kurt Sutter, que até então nunca havia trabalhado com cinema, sendo mais conhecido no meio televisivo, principalmente por ter criado a ótima “Sons of Anarchy” (2008). Quem conferiu seus trabalhos anteriores, sabe que determinadas tragédias é quase uma marca nos arcos dramáticos do roteirista. E logo de início somos apresentados a um desses eventos.

O longa traz a historia de Billy Hope (Gyllenhaal), o campeão mundial de boxe que tem a carreira interrompida por um incidente que abala brutalmente sua vida pessoal e afeta diretamente a profissional. Além dos sangrentos entraves nos ringues e de ter que se reerguer moralmente, Hope é compelido a lutar para conquistar novamente o respeito e o amor da filha Leila (Oona Laurence).

É aparente o quanto esta trama pode soar genérica, já que inúmeros filmes que abordaram tal esporte seguiram essa formula propagada por “Rocky – Um lutador” (1976). A questão é saber se a fita continuaria nesse lugar comum ou almejaria algo a mais. Inicialmente, como já foi tido, o acontecimento nos leva a crer que sim, teremos enfim uma nova perspectiva. No entanto, na metade do segundo ato, quando o personagem de Forest Whitaker entra em cena – o sábio e solitário ou o mestre e treinador Tick Wills – temos a impressão de estarmos revendo uma história que já foi contada.

Ainda que o experiente diretor Antoine Fuqua não perca a mão e deixe o espectador ligado do início ao fim, até pelo conhecido modo envolvente que constrói suas narrativas, o filme não traz grandes surpresas e aquele velho esquema de “dar a volta por cima” se repete aqui, etapa por etapa. O título ainda abre brecha para homenagear obras do estilo como “Rocky III: O Desafio Supremo” (1982), não apenas pelo desafiante ou vilão, mas pelo tom midiático do conto; ou flertar com o excelente “O Lutador” (2008), por despontar os danos físicos, psicológicos e sociais que o protagonista enfrenta.

Aliás, se existe algo irretocável por aqui é a centrada atuação de Jake Gyllenhaal, que confere grande credibilidade à Hope. Além de todo preparo físico e das demonstrações nas lutas, Gyllenhaal transmite bem a angustia sentida pelo boxeador e, ao mesmo tempo em que se mostra um sujeito descontrolado, consegue passar a inocência ou quase infantilidade do personagem. Whitaker também não faz feio e desempenha bem a função dada. Do mesmo modo a pequena Oona Laurence divide boas cenas ao lado da figura central.

Este filme também ficou marcado por possuir o último trabalho do saudoso maestro James Horner, que inclusive é homenageado nos créditos finais. A trilha sonora mistura elementos do hip-hop com notas pesadas em momentos de tensão, pontuando bem os andamentos empreendidos.

Do ponto estético-visual, a fotografia de Mauro Fiore tem em quase toda duração fílmica tonalidades frias, com lentes levemente azuladas condizente com o estado emocional do protagonista. Do mesmo modo, a montagem de John Refoua oferece o dinamismo narrativo exigido. No jogo de câmera das cenas de luta, Fuqua chama atenção por despontar a ótica subjetiva dos competidores, nos dando a maior impressão de impacto, além dos registros amadores gravados pelos celulares da plateia.

Ainda assim, “Nocaute” não encontra forças suficientes para ser reconhecido como um bom filme e acaba tornando-se no máximo um trabalho regular, cumprindo no limite sua pretensão. É uma obra sem qualquer ambição, que mesmo trazendo fortes cenas e situações peculiares, não consegue ser mais que uma história de superação. Seu maior trunfo é o que mais chamava atenção no material de marketing: a chocante atuação de Jake Gyllenhaal.

Wilker Medeiros
@willtage

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