Cinema com Rapadura

Críticas   segunda-feira, 22 de junho de 2015

Jessabelle: O Passado Nunca Morre (2015): quando o terror se autossabota

Uma obra que se perde ao tentar assustar por assustar, e não trabalha para que estes sustos façam algum sentido.

jessabelleCostumava me perguntar o que tem no gênero horror que fascina tanto a um número tão grande de pessoas. Será que existe tanta gente assim que realmente gosta de se colocar na posição de passageiro da agonia e, de fato, sentir medo? Tempos depois, mais maduro, cheguei a uma conclusão bem particular e paradoxal: o bom filme de terror provoca no espectador o mesmo sentimento que o filme de comédia, só que por vias completamente opostas: o divertimento, o riso, a instigação pela tensão. É como encarar uma montanha-russa: você sente medo até na espinha antes de ir, mas no final acaba saindo bastante satisfeito e querendo ir logo na próxima.

Isso para não mencionar, claro, as inúmeras metáforas que podemos estabelecer com a realidade a partir da representação do medo em cada obra. Mas aí já seria entrar  muito profundamente na esfera subjetiva e no campo do simbólico, o que não é o objetivo do presente texto.  Em resumo, há muito mais camadas neste gênero complexo, apesar de aparentemente simples, do que à princípio poderíamos supor quando só olhamos de fora e sem envolvimento.

Todavia, neste “Jessabelle: O Passado Nunca Morre”, de Kevin Greutert (“Jogos Mortais – O Final”),  não conseguimos alcançar nenhuma de tais aspirações: nem nos divertir com bons sustos, nem nos assustar com um clima de tensão bem costurado, muito menos encontrar camadas subjetivas que deem um tempero especial naquilo que estamos acompanhando. Pelo contrário, a aparição do sobrenatural na história parece ser apenas algo para justificar a classificação do longa como de terror, quando, acredito, ele poderia ter sido muito mais bem sucedido se fosse encarado como um suspense e abordado da forma correta.

Escrito por Robert Ben Garant, o longa acompanha a trajetória de Jessabelle (Sarah Snook), uma jovem que, após se envolver em um acidente de carro que vitimou fatalmente o seu noivo e a deixou temporariamente sem poder andar, é forçada a retornar à casa de seu pai, com quem não fala há anos, em Lousiana. Lá, ela descobre uma série de fitas cassetes com depoimentos da sua falecida mãe que irão revelar a verdade sobre o seu passado e o mistério que envolve sua família, pondo em risco a própria vida e a de todos ao seu redor.

Do ponto de vista da estética e do design visual, Kevin Greutert aposta em uma abordagem clássica,  com enquadramentos frequentemente mais fechados e cortes bruscos de edição, ressaltando o sentimento de urgência e tensão. A sequência na qual Jessabelle entra na casa pela primeira vez, em especial, é bastante digna, com a câmera acompanhando o andar da cadeira de rodas e aproveitando para introduzir o ambiente assustador onde se passará a maior parte da história com extrema elegância, lembrando, em proporções bem menores, claro, a assinatura “kubrickiana” na sequência do menino passeando pelos corredores do hotel em “O Iluminado”.

Mas para por aí. A empolgação com o que poderia vir a partir de um começo tão animador acaba por se provar uma grande enganação e o sentimento de decepção é inevitável. De um modo geral, os realizadores preocupam-se muito mais em dar sustos pelos sustos, do que em trabalhar na construção de toda uma atmosfera tensa e assustadora para que estes façam algum sentido, e não sejam apenas impulsos fora de contexto.

À medida que o filme caminha, parece que as questões vão degringolando cada vez mais. Novos temas e ideias vão sendo introduzidas na história sem que haja qualquer tipo de preparação mais sofisticada para tal; rituais de vodu, conceitos, adição de personagens e conflitos que são absolutamente esquecidos mais à frente, e até um romance completamente deslocado e fora de órbita é sugerido. Inclusive chegamos até a questionar as motivações dos próprios sujeitos presentes no enredo, o que constata a fragilidade do texto de Ben Garant.

As resoluções que são encontradas para amarrar a trama só vêm reforçar aquilo dito no começo, de que seria mais interessante se o longa fosse encarado mais como um suspense do que como um terror. Não só pela forma artificial e clichê com este é colocado, mas pelo próprio clima de investigação e mistério que toma conta da narrativa a partir do momento em que os personagens resolvem encarar a ameaça da frente. O material base é bom e tem potencial, mas não só os caminhos escolhidos foram equivocados, como a própria execução daquilo que se pretendia fazer não funciona.

Coroando a fraca experiência, ainda temos um final que beira o bizarro, não fazendo muito sentido e mais preocupado em “causar” do que em dar um fim digno à sua história. Um exemplo clássico de filme que sai dos trilhos e se perde ante suas próprias aspirações, desconstruindo toda a expectativa criada no primeiro ato.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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