Cinema com Rapadura

Críticas   terça-feira, 16 de junho de 2015

Jurassic World (2015): os dinossauros ainda comandam o mundo

Continuação de "Jurassic Park" surpreende, com o diretor Colin Trevorrow entregando uma aventura que, apesar de brincar com a nostalgia dos fãs veteranos, também leva a franquia em uma nova direção.

Existe um elemento metalinguístico muito forte em “Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros”. Isso porque, assim como a trama do filme mostra cientistas usando DNAs conhecidos para criar geneticamente um dinossauro novo para aumentar o fator “uau” do parque, os roteiristas inseriram elementos de outros gêneros na fórmula da franquia para renová-la.

No entanto, ao contrário do xabu que deu para os responsáveis pelo experimento científico, essa mistureba funcionou muito bem para o filme dirigido por Colin Trevorrow, renovando essa adorada franquia ao adicionar um quê de slasher movie e de nostalgia no guião, transformando esse quarto capítulo da série em um animal novo para um público novo, mas também reconhecível e familiar para aqueles que acompanham aquele mundo desde antes do tetracampeonato da Seleção Brasileira de Futebol.

Assim como na fita original comandada por Steven Spielberg, temos dois irmãos cujos pais estão se divorciando, presos em um parque com cientistas e aventureiros repleto de dinossauros perigosos tentando comê-los. A diferença é que, desta vez, o empreendimento está lotado e completamente funcional (e o está há anos) e há uma fera nova, altamente inteligente, sanguinária e que caça por esporte.

Gerenciado pela estoica Claire (Bryce Dallas Howard), o Jurassic World, nova encarnação do Jurassic Park, baseada claramente no Sea World, é uma máquina bem azeitada de fazer dinheiro para o excêntrico bilionário Simon Masrani (Irrfan Khan), mas que precisa de uma atração nova para turbinar o interesse dos visitantes. Surge então o Indominus Rex, híbrido criado pelo Dr. Henry Wu (BD Wong, único representante do elenco do primeiro filme). O I-Rex é uma criatura feroz, astuta e cheia de recursos que, obviamente, acaba escapando e colocando em risco a vida dos mais de vinte mil visitantes e funcionários do parque que estão na Ilha Nublar, incluindo aí os jovens sobrinhos de Claire, Zach (Nick Robinson) e Gray (Ty Simpkins), cabendo ao tratador Owen (Chris Pratt) tentar colocar o gênio de volta na garrafa.

Assim como no longa original, temos o membro do staff que se vendeu, gente querendo arrumar jeitos de lucrar com a situação e os operadores que tentam resgatar as pessoas através dos seus computadores, além, claro, dos heróis principais. Trevorrow reconhece esses clichês e os usa a seu favor, fazendo os fãs veteranos (o equivalente aos visitantes que já conhecem o Jurassic World com a palma da mão) tratarem esses elementos não como algo cansado, mas sim como algo familiar e nostálgico em uma aventura que segue uma linha nova.

No meio do caminho, o cineasta brinca magistralmente com nossa memória afetiva, inserindo de maneira orgânica momentos que ativam nossas lembranças de estar no cinema em 1993, vendo aquilo tudo pela primeira vez. Já para os marinheiros de primeira viagem, a sensação é de perceber que aquilo tudo faz parte de algo maior, mas não prejuízo para quem está começando a acompanhar a história por aqui. Nisso, a decisão de não trazer nenhum dos personagens centrais da trilogia anterior para protagonizar essa nova aventura se mostra acertada, justamente para trazer sangue novo (ou carne fresca) para esse universo. E os novos protagonistas, apesar de arquétipos da franquia, são deveras carismáticos.

Chris Pratt traz uma ótima energia para o longa como o heroico e desbocado Owen e, para quem reclamava já dos trailers das sequências do tratador com os raptors, prepare-se para se surpreender com as interações do tratador com os bichos, que levam a história para uma direção nova e interessante, devendo ser destacada aí a participação do superior de Owen, o ganancioso chefe militar da InGen, Hoskins (o sempre ótimo Vincent D’Onofrio, em um papel relativamente simplório de vilão padrão).

Já o relacionamento de amor e ódio entre Owen/Claire poderia trazer alguns problemas para o filme, até mesmo com o cineasta Joss Whedon quebrando sua postura geralmente elegante e voiciferando contra um possível machismo em algumas falas dos dois presentes no trailer, mas Bryce Dallas Howard segura bem a executiva que, a despeito de alguns momentos de donzela em perigo (afinal ela não é uma guerreira, mas uma administradora), tem vários de coragem genuína no filme e se arrisca de maneira altruísta pela vida de seus sobrinhos, estando longe de ser apenas uma executiva fria, exibindo – apenas para nós – até mesmo momentos de vulnerabilidade e insegurança.

Já os jovens irmãos Zach e Gray, vividos por Nick Robinson e Ty Simpkins, mostram uma versão um pouco diferente da dualidade dos garotos do primeiro filme. Gray, o mais novo, é fanático por dinossauros e dá o background de alguns dos bichos que vemos em cena. Já Zach é um adolescente mais padrão, com hormônios em fúria e dando em cima das meninas que aparecem em seu caminho.

Robinson e Simpkins exibem uma ótima química e jamais soam irritantes, algo deveras importante, pois os meninos passam boa parte do filme sem interagirem com os personagens adultos e são responsáveis por descobrir alguns dos melhores easter-eggs no filme – o que permite que o público também os enxerguem com um olhar mais infantil.

Quanto ao Jurassic World em si, é um feito impressionante da direção de arte do longa incorporar e modificar traços marcantes de diversos parques naturais e temáticos em um só lugar, transformando os passeios e ambientes vistos na tela em algo único, além de preservar e incorporar partes do Jurassic Park. Até mesmo os patrocínios explícitos de grandes empresas dão uma aura de contemporaneidade e um quê de ironia ao empreendimento. Os dinossauros continuam visualmente incríveis, mas é o uso deles que traz o fator surpreendente.

Os ataques do I-Rex remetem, de maneira simultânea, a obras como “Tubarão” e “Sexta-Feira 13”, transformando a criatura não como um animal que caça por fome ou por ter seu território violado, como o Dr. Alan Grant dizia, lá em 93. O que a produção mostra é quase um Jason Voorhees na forma de um lagarto terrível, com Trevorrow o mostrando aos poucos, exatamente como Steven Spielberg fez em um certo filme setentista que fez muita gente ter medo de entrar na água – longa este que ganha uma ótima e explícita referência visual aqui.

Esperem para ver também ataques de pterodáctilos (que resultam em uma das mortes mais sádicas que já vi em um filme) e uma das sequências de luta mais ferozes e divertidas da história do cinema, envolvendo nada menos que três dinossauros icônicos e uma ótima homenagem a uma sequência clássica do original.

A maioria das cenas mais impressionantes acontecem em planos abertos e iluminados, valorizando a exibição em 3D, especialmente no IMAX. Mesmo a cena-clímax, apesar de acontecer a noite, é relativamente bem iluminada.

No final das contas, Colin Trevorrow surpreendeu todos os céticos, inclusive este daqui, e entregou uma sequência mais que digna para o longa de Spielberg e que abre novos horizontes e empolgantes possibilidades para uma franquia que todos tinham como extinta.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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