Cinema com Rapadura

Críticas   quarta-feira, 22 de abril de 2015

Cada Um na Sua Casa (2015): uma animação inventiva e divertida

Única aposta da DreamWorks para 2015, longa diverte crianças e adultos com eficiência, mas desperdiça parte de seu grande potencial ao se mostrar incapaz de assumir riscos.

Uma das cadaumnasuacasa_31características que mais gosto no gênero “animação”, do qual sou fã, é a capacidade dos realizadores de discutirem temas adultos e complexos de forma leve e que encontre ressonância nas cabecinhas da criançada. Mesmo que o público-alvo não entenda exatamente as camadas subjetivas por trás daquela história aparentemente simples, ela tem o imenso poder de reverberar em suas mentes e mexer com o seu interior, por mais que a idade não lhe permita refletir o porquê disso. E isso serve também para o tipo de humor aplicado, ou alguém acredita que alguma criança entendeu, por exemplo, a piada do tubarão Bruce no “AA” em “Procurando Nemo”?

Agradar, com inteligência, a todas as faixas etárias é o principal desafio de quem se propõe a trabalhar com este gênero cinematográfico em específico. Não é tarefa fácil, uma vez que demanda, além de um bom senso de humor (que varia de pessoa pra pessoa), uma sensibilidade realmente acima da média. Aqui, este “Cada Um na Sua Casa” é bem sucedido ao se sair com eficácia em tal quesito, ainda que se recuse a correr grandes riscos.

Única aposta da “DreamWorks” para 2015, o longa acompanha a jornada de Oh, um extraterrestre que vem parar em nosso mundo após a sua espécie inteira, os Boov, através de seu líder, o Capitão Smek, decidirem tomar o planeta Terra como sua nova casa. Deslocando os humanos para um mero complexo de residências na Oceania, eis que acaba sobrando uma menininha, Tip, que foi salva involuntariamente pelo seu gatinho de estimação. Após Oh, que é costumeiramente rejeitado por todos à sua volta devido à suas inúmeras trapalhadas, enviar o convite da sua festa de inauguração da nova morada galáxia afora até uma raça inimiga, ele tem que unir forças com Tip para fugir de todos que os procuram e ajudar a garota a encontrar sua “minha mãe”.

Normalmente gosto dos filmes produzidos pela “DreamWorks“, que não costumam ser muito inventivos, nem particularmente engraçados, mas possuem um tom corajoso e de muita energia. Para citar apenas exemplos recentes, a sequência “Como Treinar Seu Dragão” é uma das minhas animações preferidas desde o já citado “Procurando Nemo”, de 2003. Daí até hoje, acho que só o terceiro “Toy Story” mexeu tanto comigo. De todo modo, é curioso notar como aqui acontece exatamente o contrário: temos um longa divertidíssimo e bastante criativo, mas que se acomoda ante suas admiráveis pretensões.

Conduzido pelo já carimbado diretor do estúdio Tim Johnson (“Os Sem Floresta”, “FormiguinhaZ”) e escrito pela dupla Tom J. Astle e  Matt Ember a partir do livro infantil “The True Meaning os Smekday”, de Adam Rex, a primeira coisa que salta aos olhos do espectador é o design das criaturinhas Boov: pequenas, rechonchudas, com olhos arregalados, uma linguagem truncada cheia de “erros” de concordância e mudando de cor dependendo do sentimento e humor do momento, é impossível não adorá-las; o carisma transborda a tela, ainda mais com suas cômicas ideias falsas e reducionistas acerca da nossa espécie.

Partindo de ganchos leves e divertidos como este, os realizadores propõem uma grande discussão sobre o que entendemos por lar, amizade e o direito que (não) temos de interferir na vida alheia e julgá-la de acordo com a nossa própria visão distorcida. Uma camada que quase nem subjetiva é, uma vez que tais temas tomam conta de diversos diálogos entre os próprios personagens, e surge como fio condutor de toda a narrativa, ainda que possamos usá-la como ponto de partida para reflexões muito mais complexas.

Recheado de boas intenções e bem sucedido em muitas delas, uma pena que para alcançar seus objetivos plenos, o roteiro force a barra em um conflito final frágil e pouco convincente entre os protagonistas. Afora isso, acredito que faltou explorar mais o lado humano da história, concentrado inteiramente nas motivações da pequena Tip, enquanto poderíamos ter algo realmente grandioso caso víssemos como todas as pessoas estavam reagindo naquela situação, algo deixado praticamente de lado.

Neste sentido, temos uma obra divertida, que entretém crianças e adultos com eficiência, mas que se mostra incapaz de assumir riscos maiores que elevariam a história a seu potencial máximo. Vale pelas boas risadas e reflexões propostas, e não muito além disso.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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