Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Dólares de Areia (2014): o céu de uma, o inferno da outra

Fantasias, sonhos e rudes despertares marcam o triângulo amoroso que é o centro desta singela e dolorosa história.

imageTodo ser humano quer sentir-se querido por outro. A ânsia pelo toque as vezes faz com que as pessoas por vezes ajam de maneira louca, cega e/ou tola. É a partir dessa necessidade que a história de “Dólares de Areia” se desenrola. Esta co-produção entre Argentina, México e República Dominicana é uma obra sensível e melancólica sobre como esse desejo de conexão pode ser explorado, mas da quase impossibilidade de ignorá-lo.

Escrito e dirigido pela dupla Laura Amelia Guzmán e Israel Cárdenas, o longa enfoca a relação entre uma jovem dominicana, Noeli (Yanet Mojica), e uma européia mais velha, a abastada Anne (Geraldine Chaplin). O relacionamento é, na verdade, um triângulo amoroso, com a moça explorando sua parceira para sustentar a si mesma e seu namorado, o músico Yeremi (Ricardo Ariel Toribio), visto por Anne como irmão da garota.

Anne é a chave para o sonho de Noeli de viver uma vida em Paris, enquanto a européia tem na dominicana uma fuga de seus problemas na França. Esse frágil equilíbrio de fantasias aos poucos se rompe. Uma enxerga na outra a chave para um paraíso irreal, um meio de escaparem de seus tormentos particulares.

O céu de uma é o inferno da outra, algo que a magnífica fotografia da fita, em cores saturadas, ressalta muito bem, transformado os cenários da costa da República Dominicana em locais celestiais ou em celeiros de pobreza, algo não muito diferente do que se vê em capitais litorâneas brasileiras, como Fortaleza, Salvador ou Rio de Janeiro.

Em seus ágeis 80 minutos de projeção, o filme jamais julga severamente seus personagens, mostrando de maneira honesta os seus respectivos sofrimentos e os motivos para suas ações “condenáveis”. Neste sentido, Geraldine Chaplin e Yanet Mojica exibem não só uma química formidável, como também uma entrega sincera às suas personagens, fundamental para que o público “compre” o drama das protagonistas.

Se, em dado momento, Anne passa a sentir falta da companheira, mesmo sabendo de sua falsidade, a dor que a veterana atriz passa em sua solidão faz com que a audiência perceba que, mesmo falsa, a conexão entre a turista e Noeli mantém a primeira sã. Chaplin faz um retrato poderoso de uma mulher sozinha, tentando escapar de um afogamento que parece inevitável ao se agarrar à fantasia que Noeli representa como se a garota fosse uma bóia.

Do mesmo modo, a vida sofrida de Noeli torna compreensível (não confundir com justificável) suas ações “egoístas”, e a sensibilidade de Mojica em sua interpretação impede que as atitudes de Noeli vilanizem a garota.

O rude despertar dessas sonhadoras vem com o choque que a vida lhes propõe, com o Yeremi de Ricardo Ariel Toribo servindo inconscientemente como um agente desta realidade. A produção não oferece respostas fáceis para o destino dessas pessoas e é essa honestidade ao lidar com a fantasia e o fim destas que a torna tão marcante.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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