Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Mapa para as Estrelas (2014): para onde ele leva, só Cronenberg sabe ao certo

Com arestas por aparar, novo filme de David Cronenberg é uma crítica à Hollywood com ares de alucinação.

mapas-para-as-estrelasA expectativa que “Mapas Para as Estrelas” causou pouco antes de começarem suas primeiras exibições foi tremenda. Afinal, seria um filme sobre Hollywood do diretor de “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” (1983), “A Mosca” (1986) e “Crash – Estranhos Prazeres” (1996); ou seja, o encontro do criador de universos fictícios doentios com um universo bastante real, porém, com um pé numa realidade paralela (e cheia de mazelas) era um prato cheio que público e crítica esperava sair do forno. Com as primeiras exibições e a premiação de Julianne Moore como Melhor Atriz no último Festival de Cannes, essa expectativa só aumentou; com a chegada do filme aos cinemas, o gosto que fica ao sair da sessão, porém, é de que o espectador experimentou algo que não sabe ao certo se foi bom ou ruim.

Como era de se esperar, a trama explora o que há de estranho e repulsivo no mundo das celebridades. Acompanhamos figuras como Havana Segrand (Julianne Moore), uma atriz cuja carreira se encontra numa encruzilhada e que ainda luta para sair da sombra da falecida mãe, a também atriz Clarice Taggart (Sarah Gadon). A reinvenção de Havana parece ser a refilmagem de um filme Cult que a mãe estrelara na juventude, e ela faz de tudo para conseguir o papel. Entrelaçando-se a essa narrativa está a história do Dr. Stafford Weiss (John Cusack), um guru-massagista de celebridades, e sua família, formada pelo astro mirim Benji (Evan Bird) e pela esposa, Christina Weiss (Olivia Williams). A conexão entre eles se fortalece ainda mais com a figura inicialmente misteriosa de Agatha (Mia Wasikowska, nuam atuação repetitiva), uma jovem com graves cicatrizes de queimaduras e que passa a trabalhar como assistente de Havana. Contar mais que isso entregaria pontos importantes da trama.

Ao contrário de seus filmes mais antigos, Cronenberg não parece mais tão interessado em criar elementos fantasiosos para causar repulsa. Os horrores que transpassam “Mapas Para as Estrelas” são mais sutis e mais reais, além de se configurarem no interior dos personagens: a inveja, a soberba, a ganância e a quebra dos valores morais e familiares são alguns dos pontos de partida para tudo que gera nojo no espectador. A base destes é o modus vivendi das celebridades. Comparados aos seres humanos anônimos, elas parecem acima do bem e do mal, mas que não têm como escapar das conseqüências de seus atos sempre e nem das limitações que inevitavelmente surgem em suas vidas, por mais ricos, belos ou influentes que sejam.

É dessa maneira que o filme não descamba para o terreno da sátira, uma opção tentadora para se retratar Hollywood. O tom é naturalista, destacando-se aí a atuação de Julianne Moore, que emula Lindsay Lohan à perfeição como a estrela decadente Havana. Destaca-se também o jovem Evan Bird como o doentio Benji, o astro mirim acostumado a ser paparicado e que se torna um misto de Justin Bieber e Justin Timberlake “do mal”. Em “Mapas Para as Estrelas, figurino e maquiagem são essenciais enquanto referências à própria Hollywood atual e como elemento de choque ao se associar figuras que o público em geral costuma admirar a uma trama que só se mostra mais incômoda. Também é mais que bem-vinda a chance de John Cusack usar o seu talento num personagem de construção complexa como o contraditório Weiss, que não vê problemas em morar numa casa de paredes de vidro, ao passo que esconde um segredo macabro. Aliás, esse jogo de expor-se e ocultar-se é outro dos pontos chaves de “Mapas para as estrelas”: não importa o quanto as celebridades sejam expostas, sempre há um lado ainda mais estranho nas sombras de suas vidas.

Nesse mundo sem regras, não é de se estranhar que o roteiro opte por ganhar ares sobrenaturais ao inserir visões de fantasmas. No caso de Havana, o fantasma é o de sua mãe, a quem ela acusa de abuso sexual; no caso de Benji, é a visão de uma falecida fã e do filho de uma atriz que o segue. Ora como vozes da consciência aparentemente inexistente dos personagens, ora como demônios que os atordoam, essas figuras etéreas têm um papel fundamental no andamento da trama, atuando também como um deus ex machina nada benevolente.

É justamente nesse ponto que “Mapas Para as Estrelas” ameaça perder o rumo. Algumas arestas precisariam ser aparadas para o filme ir de bom para ótimo, e a principal delas são os pontos que Cronenberg deixa em aberto no entrelaçamento das tramas dos personagens sem que isso pareça proposital. Ainda que esse mapa não aponte um destino em particular, a jornada é interessante, apesar de não estar à altura de outras incursões do diretor.

Susy Freitas
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