Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de novembro de 2014

Made in China (2014): Casé é do povão

Mesmo com falhas óbvias, longa é eficiente no que se propõe e dialoga com seu público alvo de maneira honesta, sem jamais ridicularizá-lo ou tratá-lo com desdém.

Made in ChinaÉ comum ver o pessoal #ClasseMédiaSofre reclamando no Twitter que o “Esquenta”, programa de auditório comandado por Regina Casé, começou. Tais reclamações quanto à atração da Vênus Platinada existem e persistem porque não se trata de um produto voltado para esse público específico.

Aliás, ouso dizer que se trata do único programa da Rede Globo voltado para as classes B e C que realmente fala a linguagem desse público, e muito do mérito disso é da própria Regina Casé. E isso também se aplica a este “Made in China”, retorno de Casé à posição de protagonista de um longa-metragem depois de 14 anos (no eficiente “Eu, Tu, Eles”). Dirigida por Estevão Ciavatta, marido de Casé, a produção tem orgulho de seu público e passa longe de ridicularizá-lo, tratá-lo com desdém ou ares de superioridade.

O foco da trama são pessoas batalhadoras, criativas e carismáticas, que matam o proverbial “leão por dia” (bom, a maioria delas) sem jamais perder a alegria de viver. Francis (Casé) é a principal vendedora da Casa de São Jorge, uma das várias lojinhas localizadas no SAARA, centro de comércio popular do Rio de Janeiro. Quando uma loja chinesa abre na vizinhança com preços impossíveis de se concorrer, Francis acaba tendo de se virar para manter a Casa de São Jorge aberta.

A galeria de personagens do filme é um dos seus grandes destaques, sendo composta por arquétipos típicos do povo. A Francis de Casé é extrovertida e “desenrolada”, sempre usando de criatividade para se segurar no fim do dia. A musa da loja é Andressa, vivida pela exuberante Juliana Alves. O músico Xande de Pilares, parceiro de Casé no “Esquenta”, surpreende com um divertido retrato do malandro carioca. E Otávio Augusto cria com o Seu Nazir, o dono da Casa de São Jorge, um coração paterno que ancora os demais personagens.

Infelizmente, a porção chinesa do elenco não empolga muito. O Sr. Chau de Tony Lee não tem presença e não funciona como antagonista, enquanto a jovem Din Din de Yili Chang só causa risadas em sua breve versão embriagada. Quem também não funciona em cena é Luís Lobianco, que surge sem química com o restante do elenco (especialmente com Otávio Augusto) e seu personagem, o irresponsável Peri, é terrivelmente desenvolvido, ganhando um final que vem de lugar nenhum.

Este, aliás, é outro problema do longa, o seu roteiro. Apesar de acertar em cheio em alguns momentos, como no hilário duelo entre Francis e Carlos Eduardo ou na passagem que retrata a convivência entre diversas culturas e religiões no SAARA, o guião por vezes se perde completamente, seja em uma desnecessária subtrama sobre a origem das mercadorias de Chau, na conclusão apressada que amarra dois personagens de maneira absurdamente forçada ou em um dos (felizmente raros) momentos artificiais da projeção, no qual Francis começa a dançar e cantar ao encomendar um certo serviço.

Considerando o cenário das comédias nacionais na telona, “Made in China” é um produto raro e honesto. Ciavatta entrega um filme relativamente ágil (ter menos 15 minutos seria uma bênção), com uma direção de arte que impressiona pela recriação do SAARA e povoado com tipos marcantes e reais, resultando em uma obra que certamente dialogará com seu público alvo, apesar dos óbvios pesares.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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