Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 02 de outubro de 2014

Brasil S/A (2014): alegorias de um País em (des)construção

Visualmente impecável, longa pernambucano reflete sobre o Brasil.

brasilsaO cinema independente contemporâneo está cada vez mais interessado em refletir sobre a nossa própria sociedade, trazendo abordagens políticas, religiosas, econômicas e comportamentais. Vivemos um momento glorioso para esse exercício, visto que o cinema comercial ainda se perde dentro de um formato cada vez mais genérico e o espectador já não pode ser enganado tão facilmente. A exibição do longa-metragem “Brasil S/A”, do pernambucano Marcelo Pedroso, no 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, se fez bastante adequada dentro desse contexto de efervescência e caos nacional.

O longa elabora alegorias para representar os avanços (e os atrasos) do País nos últimos anos. Ausentando-se de diálogos, o roteiro é totalmente construído por esquetes que se relacionam ou não entre si, mas que formam um conjunto de constatações. Partindo do trabalho braçal de homens no canavial sendo substituídos por grandes máquinas que agilizam o processo de comercialização e refletindo a exaltação da cultura e da religiosidade, “Brasil S/A” é magistralmente acompanhado pela trilha sonora de Mateus Alves, que se torna personagem fundamental para a trama.

Com liberdade para experimentar como obra artística, a fotografia do cearense Ivo Lopes Araújo é arrebatadora do início ao fim. Marcelo Pedroso cria momentos memoráveis, desde o culto do corpo feminino orquestrando um conjunto de escavadeiras até o trabalhador que aposenta o seu facão em busca uma nova adequação. Tecnicamente, “Brasil S/A” é um deleite. A montagem acompanha os tons da música e o uso de efeitos visuais toscos parece até adequado no final. O hibridismo de ficção e documentário é perfeitamente encaixado aqui, com destaque especial para um transe religioso ao som da canção “The Sound of Silence”.

O problema de constatar demais é que as provocações nem sempre se completam e o deboche gratuito pode dizer pouco. Já não é tão atrativo assim mostrar como a cultura americana está enraizada no Brasil quando um personagem se alimenta de determinada marca de sanduíches, ou mesmo reproduzir o descontrole do trânsito nas grandes capitais.

Mais ainda, temos o avanço dos grandes empreendimentos imobiliários, tema tão recorrente dos realizadores pernambucanos. Tais metáforas funcionam em suas devidas proporções, mas estão sendo exaustivamente abordadas, inclusive pelo próprio diretor. Mesmo com alguns conflitos narrativos, que são comuns quando a estrutura episódica é uma escolha, este é um filme importante que merece palco.

O filme fez parte da programação do 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2014. Crítica adaptada a partir de texto publicado pelo autor no Jornal Diário do Nordeste.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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