Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 27 de setembro de 2014

Será Que? (2014): as fronteiras entre a fidelidade, a amizade e o amor

Longa eventualmente cai nos clichês do gênero, mas propõe reflexões interessantes sobre os valores e as convenções que permeiam os relacionamentos contemporâneos.

AtSera-Que-poster-nacionalé que ponto o sentimento que nutrimos por determinada pessoa é apenas amizade ou amor verdadeiro? Ou os dois? Traição é um “crime” absoluto ou relativo e dependente de inúmeras outras circunstâncias que não só o caráter dos envolvidos? Perguntas que inevitavelmente já fizemos pelo menos uma vez em nossas vidas, ou ainda faremos, e que este “Será Que?” tenta responder com reflexões válidas e sólidas sobre o assunto, ainda que tenha a velha história do padrão boy meets girl que estamos tão acostumados guiando tais propostas.

Escrito por Elan Mastai e dirigido por Michael Dowse, o longa nos apresenta a Wallace (Daniel Radcliffe) e Chantry (Zoe Kazan), um casal que se conheceu por acaso em uma festa, tornando-se grandes amigos. A relação começa a tomar outro rumo a partir do momento em que os dois passam a ter pensamentos confusos acerca dos sentimentos que um nutrem pelo outro, tendo no namoro firme de cinco anos de Chantry com um sujeito chamado Ben, a principal barreira que impede um desabrochar mais natural e sem arrependimentos destas emoções.

Por mais que, dito desta maneira, a história pareça ser apenas mais do mesmo daquilo que vemos a toda hora nas comédias românticas, e, de certa forma, até o é, o diferencial é justamente os termos em que tais clichês são discutidos. Se na maioria das vezes o casal se conhece, se apaixona, fica junto, briga por algum motivo que beira o estúpido e no final se reconcilia para mostrar que “o amor vence todos os obstáculos”, aqui o caminho traçado é um pouco diferente, ainda que os fins sejam basicamente os mesmos, e isso talvez seja o maior defeito da fita: a falta de confiança para sair do lugar comum definitivamente e se sustentar com estilo e enredo próprios. Mais sobre isso adiante.

“Será Que?” é um título sintomático, que permeia os pensamentos do casal protagonista durante os cerca de 100 minutos de projeção. Apesar de se conhecerem e se apaixonarem quase que à primeira vista como “manda” a indústria do gênero, eles não chegam a ficar juntos de fato para se separarem e depois reatarem novamente. O tabu amizade colorida/amor está sempre presente, e os questionamentos sobre os limites da fidelidade e até que ponto podemos controlar nossas emoções em nome de uma convenção social são interessantes, tendo o diretor Michael Dowse extremo cuidado com o terreno onde pisa, para que nem Wallace, nem Chantry pareçam canalhas infiéis ou sem caráter, construindo o romance entre eles de forma cativante e sensível.

Com uma trilha sonora pontual, que atribui leveza à narrativa sem precisar apelar, e uma fotografia que aproveita de forma eficiente os belos cenários onde a história se passa (Toronto e Dublin), além de um Daniel Radcliffe seguro como o leading man e uma graciosa Zoe Kazan, o filme realmente prende nossa atenção, servindo como uma boa pílula de entretenimento descompromissado. Ainda que exageros gráficos aconteçam, como as animações inseridas para indicar a libertação de Chantry, que trabalha com isso, de seu casulo social, estas não chegam a atrapalhar significativamente o andamento da trama.

Portanto, é uma pena que, após dois atos construídos de modo tão consistente, o longa “entregue os pontos” e caia no mar de previsibilidade padrão em seu epílogo. É naquele momento que, ao invés de se consagrar como um romance realmente diferente dos demais, a fita cai no tom pasteurizado e sem graça das inúmeras produções do gênero. Vale pelo grosso da história, divertida, carismática e diferente. Mas, no final, chegamos à conclusão que “Será Que?” é, sim, apenas mais do mesmo. Infelizmente.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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