Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Rio, Eu Te Amo (2014): um bagunçado desfile de clichês

Longa desperdiça histórias potencialmente interessantes com artistas consagrados do cinema fazendo uma piegas declaração de amor ao Rio de Janeiro.

O Rio de Janeiro é uRio-eu-te-amoma cidade espetacular. Cidade-maravilhosa, cartão postal do Brasil para o mundo, etc. Isso todos sabem. Não precisava de um filme de quase duas horas para nos repetir cada detalhe da cidade, ainda mais com histórias tão desinteressantes e batidas servindo como mola propulsora dessa experiência. É o clichê do clichê.

“Rio, Eu Te Amo” segue o modus operandi das outras obras da série “Cities of Love”, que já passou por Paris (“Paris, Te Amo”, 2006) e Nova York (“Nova York, Eu Te Amo”, 2009). Várias narrativas desconexas, dirigidas e escritas por pessoas diferentes, vão se desenrolando tendo como pano de fundo uma grande metrópole mundialmente conhecida (no caso, o Rio de Janeiro). O tema que permeia todas essas pequenas histórias é o amor. Seja o amor por um par, o amor por algum membro da família, o amor em sua abstração plena ou mesmo o amor pela própria cidade.

Como todo filme que se propõe a unir várias pequenas narrativas idealizadas e realizadas por pessoas diferentes, o problema é crônico: algumas partes são muito melhores que outras e a falta de naturalidade com que essas histórias compõem a tela e dialogam entre si incomoda até o último minuto de projeção. A lista de bons cineastas aqui presentes é de chamar a atenção: Fernando Meirelles, José Padilha, Paolo Sorrentino, John Turturro, Carlos Saldanha e outros. Por mais que as histórias tenham potencial, elas jamais ganham a força necessária para atingir em cheio o espectador, seja pela (des)organização com que são colocadas lado a lado no quadro (com longos e óbvios fades servindo como ponte entre uma e outra), ou pela falta de identificação com os protagonistas do drama narrado, cada um com pouquíssimo tempo para dizer a que veio.

Assim, se em dado momento vemos o personagem de Turturro tendo uma séria discussão com a esposa (Vanessa Paradis) sobre o seu relacionamento e como ele foi se degradando ao longo tempo, em nenhum instante chegamos a desenvolver qualquer tipo de afetividade com aqueles dois personagens para realmente nos importarmos com o que estamos assistindo. E o mesmo vale para a maioria das outras histórias. As que se salvam são aquelas que justamente não dependem de algum tipo de desenvolvimento dramático maior, tratadas como se fossem um curta-metragem de fato, fechado em si mesmo.

Neste sentido, o ponto alto é a conversa do menino de rua com “Jesus” pelo telefone. Harvey Keitel e Nadine Labaki fazem uma composição tocante com um falante e carismático garoto que se instalou na frente de um telefone público alegando estar esperando uma ligação de Jesus. Comovidos pela fé e inocência da criança, os dois se escondem e ligam para o orelhão, estabelecendo uma divertida conversa com o menino que, entre outras coisas, pede uma bola autografada do Pelé e para conversar com a Virgem Maria (“sua mãe!”) e Deus (“seu pai!”), inspirando seus amigos a fazerem o mesmo.

Assim, se é curioso vermos o personagem de Wagner Moura conversando com Cristo Redentor em um voo de asa-delta, fazendo questionamentos acerca das dificuldades enfrentadas pelos cidadãos lá em baixo enquanto o monumento “finge” abençoar a todos no alto de sua montanha, no que, pela temática e abordagem, só poderia ser um “curta” de José Padilha. O resto dos “pedaços” do longa nada mais é do que uma repetição mal feita desta fórmula; curiosidades e referências casuais à vida e obra de seus autores, sem nenhum cuidado maior em passar uma mensagem diferenciada. Mesmo nossa eterna Fernanda Montenegro tem seu papel desperdiçado neste poço de mediocridade repetitiva.

O auge do pedantismo ocorre quando, ainda no início da projeção, uma estrela mal-humorada do cinema internacional, representada por Ryan Kwanten, afirma estar “apaixonado” assim que avista o Pão de Açúcar. É evidente que vistas como o Pão de Açúcar, o Cristo, as belas praias e os bairros mais tradicionais do Rio são sempre marcantes, e o longa faz questão destacá-las sempre em enquadramentos bonitos e bem fotografados, mas analisando o conjunto da obra como um todo, a cidade maravilhosa merecia um filme mais diferenciado e menos “autoimportante” para representar toda a beleza de suas paisagens, cultura e povo. Ficou devendo.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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