Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 06 de setembro de 2014

De Menor (2013): diretora estreia em longa com elegante crítica social

Enxuto e direto, primeiro longa de Caru Alves de Souza como diretora problematiza de maneira competente a questão dos menores infratores.

524768.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxNa semana de publicação desta crítica (05/09), um dos principais portais de notícias da internet publicava uma matéria sobre a ostentação de armas em redes sociais, o que por si só já é um fato alarmante. Mas o dado pertinente ao texto que se segue se encontra justamente no fato de que os perfis comentados na reportagem foram de menores. Menores portando armas, drogas e grandes quantias em dinheiro. Mostrando sua relação com atividades criminosas e, ainda, repercutindo em comentários que vão de impressões positivas a elogios.

Este é apenas um caso em específico, dentre tantos outros que servem como objeto de reflexão para “De Menor”, longa de estreia de Caru Alves de Souza na direção. Problematizando a questão dos menores infratores em diversos âmbitos, das possíveis causas do fenômeno social ao sistema que o enquadra, a estrutura do longa preza pela concisão.

A narrativa acompanha Helena, advogada recém-formada que trabalha com casos envolvendo menores. Ela detém a guarda de seu irmão mais novo, Caio, e os dois vivem uma relação de proximidade belamente ilustrada por um plano sequência da casa onde moram. Ao retratar, sem cortes, a vida naquele ambiente, culminando com um significativo desenho no espelho, a diretora consegue representar nos primeiros minutos de projeção toda a força da relação entre os irmãos.

Entretanto, a situação encontra um revés, pondo em conflito os universos pessoal e profissional de Helena devido a um acontecimento cuja natureza pode facilmente ser prevista pelo espectador. Apesar da obviedade desse gancho inicial, seu desenvolvimento é extremamente bem executado pelo roteiro que, sem pressa, apresenta gradativamente os elementos principais da trama e as pistas de seu possível rumo.

Mesmo sem apresentar grandes surpresas, chegando ao ponto de uma certa estagnação no terceiro ato, o roteiro consegue questiona nosso distanciamento de determinadas questões sociais. Ao aproximar emocionalmente da protagonista uma situação vivida de maneira mais fria nos fóruns, somos forçados a analisar a condição da criminalidade dos jovens por um novo ângulo, desta vez, desarmados do afastamento impessoal que nos permite condenar diretamente todo e qualquer ato deste tipo.

Os olhares desviados, tal qual a câmera que se recusa a olhar Caio algemado, não são mais os de desinformação ou descrença perante a um problema. São olhares perplexos com um fato pelo qual nos achávamos intocados, mas que invade o cotidiano a todo momento. Uma invasão tão brusca que causa confusão no modo como enxergamos o aparato social a ponto de buscarmos justificativas ilógicas para nos amparar, como a protagonista, que em certo momento argumenta a favor da liberdade do irmão pela sua aparência física.

Com segurança, a direção de Caru de Souza se apresenta bastante inventiva ao elaborar rimas visuais com planos sequência, estabelecendo uma relação entre a residência de Helena, o fórum onde trabalha e a casa de um menor envolvido em um crime.

Outro ponto de destaque são as ótimas atuações de Rita Batata e Caco Ciocler. A jovem atriz transita com naturalidade entre os momentos de ternura com o irmão para uma postura frágil e desamparada quando chocada com a realidade, garantindo profundidade à protagonista. Enquanto isso, Ciocler encarna um juiz atencioso em seus poucos momentos de tela, preocupado com o destino de cada menor que chega à lei.

Ao longo de seus enxutos 77 minutos, “De Menor” constrói de maneira funcional uma crítica a um problema por vezes ignorado, colocando o espectador em uma posição na qual esquece que pode se encontrar: a de diretamente envolvido e afetado. Contando com um bom trabalho de atuação e uma direção com soluções elegantes e cheias de significado, o longa se torna não somente interessante, mas necessário no atual momento do país.

Mateus Almeida
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