Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Tudo Acontece em Nova York (2013): sonhar com a realidade

Filme francês dialoga sobre realização pessoal e é honesto por revelar as consequências do ato.

450997.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxMesmo sempre atrelado, o ato de sonhar e realizar caminha em uma linha tênue entre sucesso e fracasso. Além da aptidão, é necessário encarar árduos obstáculos e, principalmente, arcar com as consequências – que, em sua maioria, são dolorosas e deixam estigmas. Ainda que muitos prefiram conservar ideias, ter o sentimento da dúvida é algo que também causa efeito colateral. Esse antigo dilema é um dos elementos que nos tornam mais humanos, metaforicamente falando. De modo que errar e acertar se fazem presentes durante toda vida e, em dado momento, será perceptível que ousar é necessário. Isso porque, no fim das contas, as feridas são as mesmas, ainda que tenham aparências distintas.

O longa “Tudo Acontece em Nova York”, da estreante dupla francesa Ruben Amar e Lola Bessis, aborda justamente esses pontos ventilados. De um lado temos Leeward (Dustin Guy Defa), um músico que é absolutamente apaixonado por sua família, especialmente pela encantadora Rainbow (Olivia Costello), mas vive o pleito de ter que abrir mão da arte e passar por cima de suas crenças em troca disso; já do outro vemos a sonhadora Lilas (Lola Bessis), que foi tentar a sorte em uma grande metrópole e, mesmo acolhida por amigos, se deparou com uma tortuosa realidade que a fez repensar suas prioridades. Em meio a eles está Mary (Brooke Bloom), a figura mais cética e desprendida de devaneios desse universo, que tem desejos  simples, mas quando posta contra parede não teme arriscar.

Se colocados na balança, temos o mesmo peso, tanto no que se refere à delicada situação dos personagens, quanto na decisão que estes terão ou não que tomar. A aparente despretensão e meiguice de Lilas, quando confrontadas com a negação, tem uma cara bem diferente. E, o fato da garota ser uma promissora cineasta, elogiada por saber captar a alma e a intimidade das pessoas, aparece como uma dicotomia interessante, pois, além de estar longe do seu país – o continente francês, conhecido por revelar inúmeros artistas – e morar com estranhos, parece nunca se achar. Já Leeward, apesar de ser um homem bondoso e ter em seu lema o partilhar de bens, falha exatamente na satisfação conjunta. Por ser um covarde, e assim não confrontar-se diretamente com seus pais e esposa, transforma-se em um mentiroso, algo ainda mais nocivo e mesquinho do que imaginaria. A música nada mais é, em sua essência, que a troca de sentimentos. Se desfazendo disso, ele estaria perdendo a identidade.

A condução narrativa de Amar e Bessis se mantém arrastada nos três atos da fita, podendo causar estranheza em espectadores não acostumados com uma linguagem lenta, mas essa configuração é pontual para que os personagens sejam enxergados de maneira mais próxima e pessoal. A montagem de Thomas Marchand injeta dinamismo com cortes rápidos e ríspidos, mesmo nunca perdendo a elegância. Os cineastas, novamente, são perspicazes ao construírem metáforas visuais por meio de algumas cenas da filha do casal, Rainbow, ou nos vídeos intimistas feitos por Lilas. O roteiro, também assinado pelos diretores, não possui diálogos complexos ou frases marcantes, a força está mesmo nas ideias implícitas da trama.

O tom da fotografia de Brett Jutkiewicz é fundamental dentro da narrativa, pois com o uso de lentes mais claras, confere uma aura singela àquela atmosfera inicial, mas é inteligente por dar uma nuance opaca quando surgem conflitos mais intensos. O cast também tem peso nisso tudo; a construção de personagem feita por Dustin Guy Defa é eficiente e transmite realidade pelos seus trejeitos. Brooke Bloom, que interpreta a mulher de Leeward, aparece como contraponto e é uma coadjuvante a altura, muitas vezes roubando a cena. A pequena Olivia Costello, além de conquistar pelo doce jeitinho, mostra-se à vontade na frente das câmeras – como se pode ver na bela cena do café da manhã na cama, onde os três realmente dão a impressão de ser uma família. A Lilas de Lola Bessis parece sempre alegre, aérea e um tanto sonsa, em alguns momentos até força a barra, ainda que seja natural dela a delicadeza demandada.

A moral da aceitação discernida no encerramento do conto é basicamente um retrato animado do que presenciamos cotidianamente, onde reflexão e veracidade estão na conclusão banal que é a vida. E é exatamente aí que reside a grande beleza e distinção deste “Tudo Acontece em Nova York”, por não se entregar ao melodrama e ir fundo no que quer discutir. Os conflitos dos personagens nada mais são que exemplos táteis dos temas impostos, estes explanados de maneira orgânica e absorvidos com anseio pela plateia.

Wilker Medeiros
@willtage

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