Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Chef (2014): uma comédia saborosa e revigorante

Mesmo com alguns tropeços, Jon Favreau presta uma divertida homenagem à arte da culinária.

ChefJon Favreau é um diretor mediano, que teve nas mãos, em 2008, a chance de atingir o estrelato quando assumiu a direção de “Homem de Ferro” e conseguiu realizar um ótimo trabalho, que pavimentou o início da caminhada de sucesso da Marvel Studios. Porém, depois do segundo episódio da adaptação (um trabalho bem inferior, lançado em 2010), se dedicou aos cargos de produtor e roteirista, além do regular “Cowboys & Aliens” e alguns episódios de seriados de TV. Eis que em 2014 ele está de volta ao seu posto na leve comédia “Chef”, que também conta com seu roteiro.

O filme narra a história de Carl Casper (Jon Favreau), o chef de cozinha de um importante restaurante de Los Angeles. Seu talento e competência nunca foram postos à prova até que um dia Ramsey Michel (Olive Platt, por incrível que pareça, em um papel não estereotipado), o dono de um blog sobre restaurantes, detona o trabalho de Carl, desde a entrada até a sobremesa. Mas não apenas a crítica causa esse problema. Acidentalmente, Carl inicia uma guerra nas redes sociais contra seu algoz, o que causa a sua demissão (além de um estrondoso sucesso viral na internet).

Então, o protagonista aceita a proposta de sua ex-esposa para tentar uma reaproximação de Percy (Emjay Anthony), filho do casal que ainda sofre com o divórcio. O que poderia se tornar um previsível drama familiar recheado de clichês sobre superação e importância da família ganha contornos de um “road movie” otimista e que provoca fortes tentações no público.

O fato de ser otimista chega a um extremo que prejudica o longa em alguns momentos. A falta de conflitos que realmente causem preocupação no público quanto às decisões de Carl ao longo de sua empreitada deixam a narrativa ligeiramente monótona, ainda que tal monotonia não torne a experiência desagradável.

Dois pontos salvam a fita dessa linearidade: a química perfeita entre os membros do elenco e a riqueza de detalhes com que Favreau tortura seus espectadores enquanto prepara seus pratos, seja a culinária requintada do restaurante ou os sanduíches apetitosos que serve em seu caminhão. Impossível não sair do cinema com vontade de correr para o restaurante mais próximo e ceder ao pecado da gula. O filme se aprofunda de tal forma na paixão de Carl pelo seu trabalho que chega a fazer uma analogia entre uma refeição e o prazer sexual.

O diretor repete a parceria com Robert Downey Jr. e Scarlett Johansson em cenas curtas, porém excepcionais (impossível não gargalhar durante a “negociação” entre Carl e Marvin, personagem de Downey Jr.). Também participam Dustin Hoffman e Jose C. Hernandez, que rouba a cena na sequência do restaurante cubano de Miami. A única que destoa um pouco do resto do elenco é Sofia Vergara que, mesmo com sua beleza estonteante, não consegue se colocar à altura do trio principal, formado por Carl, Percy e Martin (John Leguizamo).

Favreau conduz a história com a leveza que esta requer, levando o público pela mão enquanto visita dezenas de cidades, alternando bem o crescimento do sucesso do empreendimento de Carl à medida que fortalece os laços de carinho, amor e amizade entre pai e filho. Essa boa condução ainda é visível em detalhes técnicos sutis, como a fotografia. Ao passo em que a trama se desenvolve e Carl se aproxima da plenitude de sua vida, a paleta de cores em tela sofre uma mudança gradual, desde as cores frias de seu apartamento e sua primeira cozinha às cores quentes de Miami e a pintura do caminhão do “El Jefe”.

Apesar de outros problemas estruturais, como algumas cenas que nada acrescentam para o desenvolvimento da história ou piadas que se estendem mais que o necessário, “Chef” é uma ilha de diversão em meio a tantas comédias descartáveis e industrializadas.

David Arrais
@davidarrais

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