Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 02 de agosto de 2014

Guardiões da Galáxia (2014): pipocão sim, com muito orgulho

Um genuíno "pipocão" que não se leva a sério e tem orgulho disso.

Nos últimos anos, a Marvel Studios se deparou com inúmeros desafios a serem superados. Primeiro, por dificuldades que aqui não cabe enumerá-las, teve que vender dois de seus maiores produtos (Homem-Aranha e X-Men) para estúdios alheios. Depois, embarcou em uma jornada para reunir o resto de seus super-heróis (menos populares) em uma única mega-produção de escalas épicas: “Os Vingadores”, sucesso absoluto. Por vezes criticada por sua pegada mais leve e teen, e também na esteira dos densos longas concorrentes da saga X-Men e do Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, entregou um ótimo e sombrio “Capitão América – O Soldado Invernal”. Agora, com este ousado “Guardiões da Galáxia”, a Marvel se consolida como um estúdio que tem total controle sobre seu universo e personagens, flutuando entre os mais variados tons narrativos e abordagens estéticas de modo seguro e eficiente.

Não que o filme seja perfeito, muito pelo contrário. A trama, por exemplo, ainda é um pouco boba e genérica demais, faltando-lhe certa criatividade. No entanto, o que acontece é que, aqui, isto não chega a ser um problema comprometedor, uma vez que o próprio longa não faz questão de se levar muito a sério (e isso é ótimo!). O tom leve e descontraído predomina de tal maneira que, mesmo nos momentos mais dramáticos, há sempre uma atmosfera pouco carregada de tensão, sendo logo seguida por alguma piadinha ou tirada bem humorada. É aquela história que você acompanha sabendo, lá no fundo, que no final tudo se resolverá de alguma forma e acabará bem. O que vale é a diversão.

Peter Quill (Chris Pratt) era apenas um menino que acabara de perder a mãe quando é capturado por uma gangue de alienígenas conhecidos como Saqueadores. Vinte e seis anos depois, já estabelecido como um deles, Peter decide iniciar uma empreitada por contra própria para roubar uma esfera valiosa desejada por um sujeito chamado Ronan (Lee Pace), que serve ao tirano Thanos. Bem sucedido, ele passa a ser perseguido por uma série de caçadores de recompensas, inclusive Ronan, e se une a quatro outros “foras-da-lei”, Gamora (Zoe Saldana), Groot (Vin Diesel – dublador), uma árvore humanóide, Rocket (Bradley Cooper – dublador), um guaxinim badass, e Drax (Dave Bautista), na tentativa de preservá-la e, eventualmente, vendê-la e dividir o lucro entre eles. O que o grupo não sabia é que a esfera possuía poderes muito além dos esperados e o que está em jogo é o futuro de toda a galáxia.

Eficiente na apresentação de seus personagens a na relação que eles constroem entre si, o longa do diretor James Gunn – também responsável pelo roteiro, juntamente com Nicole Perlman, a partir dos quadrinhos – não perde tempo com firulas. Neste sentido, após o breve prólogo que apresenta o protagonista, já nos deparamos com a sequência de tirar o fôlego na qual ele rouba o artefato misterioso, e logo em seguida os seus side-kicks vão sendo introduzidos na trama, sempre de modo natural e, quando cabe, o que acontece com relativa frequência, cômico.  A cena em que todos eles brigam pelo objeto, em especial, interagindo juntos pela primeira vez, é conduzida com maestria por Gunn, dando espaço o suficiente para todos brilharem e mostrarem suas habilidades sem que um se sobreponha ao outro, colocando-os sempre no mesmo patamar.

Apostando corretamente em uma abordagem estética fantasiosa que beira o fabulesco (de que outra forma, aliás, compraríamos uma história que nos apresenta a um vegetal humanóide e a um guaxinim falante e porradeiro?), com cores fortes e elementos visuais extravagantes, o design de produção do longa é absolutamente fantástico. A fotografia de Ben Davis, autor já experimentado nesse tipo de concepção artística, vide o explosivo e excêntrico “Kick-Ass – Quebrando Tudo”, faz inteligente uso de tais ferramentas e, junto com o diretor, aproveita muito bem os belos e vastos cenários proporcionados por aquele universo, sempre com uma grande profundidade de campo, com planos nítidos em várias camadas. A direção de arte, também, pontua com uma sensibilidade ímpar os cômodos do protagonista com pequenas lembranças de seu passado terrestre, como uma bandeirinha dos Estados Unidos, seu país de origem.

Tais acertos não mascaram eventuais escorregões. A atmosfera descontraída e bem-humorada tão bem construída ao longo das quase duas horas de projeção sofre com pequenos ruídos quando o roteiro parece querer forçar um drama psicológico em seu protagonista, com a “ferida” da morte de sua mãe há décadas influenciando decisões e momentos do presente de maneira pedestre e inconsistente – e isso ocorre mais de uma vez. Inseridas à narrativa de forma pouco orgânica, tais dilemas são intrusivos, pouco sutis (o design de produção já se encarregara em nos mostrar que Peter não esquecera suas origens) e, por vezes, provoca até um certo constrangimento. A não ser que estes tenham sido pensados também sob uma ótica cômica. Neste caso, faria mais sentido, mas ainda assim não se encaixaria de modo satisfatório do ponto de vista narrativo.

A trilha de Tyler Bates pontua bem as diversas cenas, e aqui isso deve ser devidamente reconhecido na medida em que a flutuação entre drama/comédia/ação pede um compositor eclético e particularmente sensível, mas não chega a ser especialmente marcante. A muleta musical do filme, aliás, é muito mais as canções tocadas no walkman de Peter Quill (outra referência a seu passado dolorosamente marcante que funciona, coerente e sem apelações), e aqui temos divertidas – e escancaradas – referências até a “Footloose – Ritmo Louco” e Kevin Bacon, do que especificamente a trilha sonora de Bates.

Nos apresentando a heróis controversos e, desde já, icônicos, este “Guardiões da Galáxia” entra no circuito como um dos melhores e mais honestos blockbusters do ano, consolidando a Marvel como um estúdio que tem pleno controle sobre o seu universo, indo de longas mais densos como o já citado “Capitão América – O Soldado Invernal”, passando por um mais ameno e cômico Tony Stark e chegando nesta completamente fantasiosa e hilária trupe de desajustados que já marcou seu território. Se a promessa de que tais linhas narrativas vão se cruzar de fato se cumprir e, neste sentido, a cena pós-créditos não revela muita coisa (fãs dos quadrinhos, perdoem-me eventual ignorância) vai ser interessante ver todo esse pessoal interagindo junto. É aguardar (ansiosamente) pra conferir.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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