Cinema com Rapadura

Críticas   domingo, 27 de julho de 2014

Planeta dos Macacos – O Confronto (2014): espelhos nada distantes da humanidade

Uma superprodução que não tem medo de ser madura e mostra mais uma vez a relevância de uma franquia enraizada na cultura pop mundial há mais de cinco décadas.

O mal é sempre lembrado, o bem é tão facilmente esquecido“. Essa frase foi proferida no episódio final de “Spectreman” pelo vilão do seriado, o (vejam só) símio Dr. Gori. Essa visão pessimista faz parte do DNA deste “Planeta dos Macacos – O Confronto”, novo filme da franquia iniciada pelo livro de Pierre Boulle, lançado em 1963.

Assim como no original literário, a arte de imitação dos nossos primos evolutivos é parte importantíssima da trama, escrita por Mark Bomback, Rick Jaffa e Amanda Silver. Mas tal importância não está explícita no filme, mas pode ser lida nas entrelinhas da obra. O diretor Matt Reeves fez um belo trabalho na composição visual da produção e na imposição de um clima crescente de tensão que nos acompanha durante toda a projeção.

Para aqueles já familiarizados com a franquia, irraízada na cultura pop mundial há mais de cinco décadas, não há grande surpresa sobre o desenrolar dos acontecimentos. Já é sabido qual será o destino final da humanidade ao final da história maior que está nova série iniciada porPlaneta dos Macacos – A Origem está por contar. A atração aqui é no desenrolar trágico desta narrativa.

Uma década após a humanidade ser dizimada pelo vírus que deu a faísca de sapiência aos símios (o “espírito”, como insistia Boulle em seu livro), o líder dos macacos, César (Andy Serkis) guia seu povo em paz, até que um agrupamento humano cruza o seu caminho, buscando reativar uma usina hidroelétrica que necessitam para recuperar ao menos parte de sua destroçada civilização.

Enquanto César encontra no humano Malcolm (Jason Clarke) uma alma-irmã, seu sofrido adido militar Koba (Toby Kebbell) enxerga neles apenas a crueldade com que fora tratado quando de seu período de cativeiro anos atrás. Com ódio e preconceito corroendo ambos os lados, a eclosão de um confronto entre as duas espécies é apenas uma questão de tempo.

César e Koba são os grandes destaques desta fita. Não apenas os efeitos especiais que permitem que as menores nuânces das magníficas performances de Andy Serkis e Toby Kebbell sejam traduzidas em suas versões símias digitais, mas o próprio arco desses personagens. Com a humanidade, César conheceu o amor e a compaixão, e replica tais sentimentos de maneira natural pois eles fazem parte de quem ele é.

Por outro lado, Koba só conheceu o sofrimento na companhia de seres humanos. Daí ele espelhar justamente aqueles comportamentos mais sombrios de nossa espécie, se mostrando dissimulado e mentiroso quando isso atende aos interesses de seu ódio. Nesse terreno, sua ganância floresce de maneira terrível, momento no qual o personagem se torna menos intrigante e mais… comum.

Os dois representam lados opostos de uma civilização nascente e que está a desenvolver uma cultura própria, contando até com o descobrimento de arte. Já do lado humano, uma espécie que está em seu crepúsculo, o que temos são momentos de esperança, medo e perda, que eventualmente se traduzem em agressividade, rancor e preconceito. Deste modo, é impossível não se compadecer até mesmo com os erros de julgamento cometidos por alguns dos personagens, especialmente do intenso líder Dryfuss, vivido por Gary Oldman, e do jovem e ingênuo símio Olhos Azuis, filho mais velho de César, cujo nome é uma das boas e orgânicas referências ao primeiro filme da franquia.

A despeito de todos esses sucessos, o roteiro não é perfeito. Temos uma série de diálogos excessivamente expositivos travados entre os personagens, humanos ou não, jogando de maneira deveras artificial a situação daquele mundo na cara do espectador, o que quebra um pouco o clima de imersão criado inicialmente, que remetia a obras como2001 – Uma Odisséia no Espaço eA Guerra do Fogo.

Note-se ainda que, enquanto os macacos começam o filme comunicando-se principalmente por sinais, conforme eles se tornam mais agressivos, mais apegados à língua falada eles se tornam. As imagens paradisíacas, que antes predominavam na vida idílica daquela civilização, aos poucos dão lugar a um verdadeiro inferno bélico de fogo, como bem retratado no plano que encerra o segundo ato da fita. Nada muito diferente dos cenários de guerra comuns em nossos noticiários atuais. A arte da imitação. Macaco vê, macaco faz.

Elogios à bela fotografia (prejudicada por um 3D criminoso, portanto fujam de cópias no formato), à direção de arte extremamente eficiente (especialmente no hábitat símio), à trilha sonora de Michael Giacchino (que usa breves trechos do tema da série original), às cenas de ação extremamente bem conduzidas, com destaques ao ataque ao agrupamento humano e ao duelo entre César e Koba, são devidos, mas são apenas a cereja do bolo em um filme tão bem sucedido em tratar de temas tão trágicos de maneira eficiente e destemida.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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