Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 29 de julho de 2014

Amar, Beber e Cantar (2014): Alain Renais se despede do cinema

Longa encerra a carreira do cineasta honrando sua contribuição para o cinema.

AmarAlain Resnais foi um dos grandes cineastas do seu tempo. E por “do seu tempo” entenda-se “quase sete décadas”, uma vez que seu primeiro trabalho na função de diretor data de 1948, com o curta “Van Gogh”. Passando por aquele que talvez seja considerado por muitos sua obra-prima, “Hiroshima, Meu Amor”, de 1959, seu primeiro longa-metragem, e por vários outros, Resnais realizou seu último filme em 2013, aos 91 anos de vida, antes de falecer em março deste ano. Como legado de sua extensa filmografia, este último longa sintetiza algumas das principais características que o marcaram durante todo o seu período como realizador cinematográfico e encerra sua contribuição ao cinema de maneira digna.

Partindo de uma estrutura narrativa que preserva a essência teatral da peça que lhe deu origem, “Amar, Beber e Cantar” acompanha a história de um grupo de amigos de meia-idade praticantes de teatro amador que, após recebera notícia de que George, um amigo em comum de todos, está fatalmente doente e à beira da morte, são colocados frente a frente com problemas, desavenças e fantasmas que assombram as suas vidas há tempos; tudo isso com um tom de leveza e descompromisso absolutamente cativante.

Neste sentido, é interessante notar a opção de Resnais em criar cenários minimalistas, com fundos constituídos basicamente de pinturas feitas à mão e poucos objetos em cena. Os chamados establishing shots, aquelas tomadas gerais e amplas usadas para estabelecer onde a sequência será realizada, por exemplo, são todos feitos em forma de desenhos em um pedaço de papel. À certa altura da projeção, já sabemos exatamente a quem pertence cada local e mais ou menos o que se passará neles, tamanha a facilidade de associação que tais recursos provocam.

Aqui, tudo o que importa são as pessoas e as relações que elas mantém entre si. Mesmo George, o personagem mais central de toda a trama, sequer aparece em tela. Sua influência em cada personagem, entretanto, é notada em cada palavra trocada entre eles. Diálogos esses que são a grande força motriz da película, jamais descambando para o lado piegas ou clichê. Pelo contrário, o roteiro de Laurent Herbiet, Jean Marrie-Besset e do próprio Alain Resnais está sempre instigando a curiosidade do espectador sobre o que virá a seguir, culminando em um terceiro ato divertidíssimo.

O excesso de gags visuais, por outro lado, acaba prejudicando a harmonia visual dos elementos da mise en scène e tornando a narrativa um pouco cansativa, apesar da curta duração da obra (aproximadamente 110 minutos). Os fundos branco-acizentados utilizados para dar ênfase ao “monólogo” de determinado personagem, por exemplo, são desnecessários e pouco úteis. Junte-se isso às pinturas e aos desenhos feitos à mão e o que temos são algumas composições realmente bagunçadas.

Dessa forma, escorregando aqui e ali apenas nesse desequilíbrio visual, “Amar, Beber e Cantar” é um trabalho leve e divertido que nos remete a algumas das questões existenciais mais básicas do ser humano: o tempo e o que fazer com as consequências de sua ferocidade implacável. Amar? Beber? Cantar? Um trabalho que honra a grandeza de seu realizador e sua ânsia por vida, ao ponto de montá-lo de modo tão dinâmico e criativo no alto de seus 91 anos de idade. Uma pena que tenha sido o último.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

Compartilhe

Saiba mais sobre