Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 29 de julho de 2014

Aos Ventos que Virão (2012): um desagradável retrocesso

Problemas de roteiro e direção atrapalham desenvolvimento da obra de Hermano Penna.

VentosDurante muito tempo, o cinema brasileiro ficou marcado por “filmes de sertão” ou “filmes de favela” (clássicos como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” ou “Pixote”), isso quando não saía completamente da linha com fitas eróticas de quinta categoria, como as pornochanchadas. Felizmente, desde a retomada, em meados dos anos 1990, outros temas passaram a ter mais espaço na produção nacional, com dramas pessoais, urbanos e até mesmo superproduções de proporções épicas, como o recente “Serra Pelada”, de Heitor Dhalia. Porém, vez ou outra surgem produções ainda marcadas pelo antigo ranço da visão estereotipada do sertão. E “Aos Ventos que Virão” é um grande exemplo disso.

Dirigido pelo cearense Hermano Penna, o longa conta a história de José Olímpio (Rui Ricardo Diaz), um cangaceiro que fazia parte do bando de Virgulino Ferreira, o Lampião. Por coincidência, José Olímpio é originário de Poço Redondo, cidade no interior de Sergipe que ficou famosa por ser o local onde morreu Lampião. Depois da morte de seu líder, ele vai a São Paulo com a esposa Lúcia (Emanuelle Araújo) para fugir dos inimigos que ainda perseguem os membros sobreviventes do bando.

Infelizmente, o desenvolvimento de uma história que deveria ser simples é uma grande bagunça. E não necessariamente por questões técnicas, como fotografia, figurino ou direção de arte, muito comprometidas pelo baixíssimo orçamento do projeto. Basta dizer que a trama se passa em um intervalo de mais de vinte anos (desde a morte de Lampião no fim da década de 30 até a fundação de Brasília, em 1960) e nenhum dos personagens parece envelhecer um dia sequer.

O maior problema é o roteiro. E não necessariamente pelo excesso de diálogos expositivos ou pela construção pobre de seus personagens, em especial José Olímpio, que passa por várias transformações durante ao longo da narrativa sem maiores explicações.

O grande erro do script (escrito pelo próprio diretor) é a falta de foco. Ele aborda vários temas como política, truculência da polícia, retirantes do nordeste que tentam a vida no sul do Brasil e até mesmo direitos trabalhistas (!), porém, como é fácil de imaginar, sem se aprofundar em nenhum dos temas ou até mesmo sem um cuidado maior em interligá-los de maneira coesa e estruturada. Ainda há vários momentos em que tal falta de estrutura é mais flagrante, como quando o protagonista decide voltar para sua cidade e é fortemente criticado por sua esposa que, (inexplicavelmente) na cena seguinte, demonstra total apoio à ideia do marido.

É triste perceber que um trabalho que parecia tão promissor em suas cenas iniciais, em que vemos uma bela tomada em preto e branco ao som dos cantos de mulheres carpideiras, tão típicos no interior do nordeste, mostra-se infrutífero e estéril a partir da cena seguinte até o fim da projeção. Desta forma, é impossível extrair algo significativo da obra, seja no ponto de vista artístico, como crítica social ou mesmo de mero entretenimento.

David Arrais
@davidarrais

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