Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de julho de 2014

Que Estranho Chamar-se Federico (2013): do homem e do ícone

O veterano cineasta Ettore Scola nos conta um pouco sobre sua amizade com o falecido Federico e nos mostra como Fellini ainda está vivo.

imageQuando estamos falando da cinebiografia de um artista, o cineasta tem duas opções: encarar a obra como um drama comum (o que pode render ótimos filmes, como “Piaf – Um Hino ao Amor”) ou costurar o espírito do corpo de trabalho do biografado ao filme (como fez Tim Burton em “Ed Wood”). Ambas as alternativas são válidas e têm seus próprios riscos, mas era óbvio que “Que Estranho Chamar-se Federico” optaria pela segunda.

Isso porque o longa cuida da história de Federico Fellini, diretor, escritor e desenhista que lidou com a vida e sonho de maneira absolutamente única e imaginativa. Além do mais, esta película é comandada por Ettore Scola que, além de ser um companheiro artista de Fellini, era bastante próximo deste. Isso transforma radicalmente este projeto, pois Scola não está apenas falando de seu amigo, mas também um pouco de si mesmo.

Com um narrador/alter-ego, Scola conduz o público desde a década de 1930, com a chegada de um jovem Fellini à Roma para trabalhar no jornal satírico Marco Antônio, até a morte do Maestro, em 1993. Entre esses eventos, vemos o primeiro contato de Scola com a obra de Fellini, o inusitado modo como os dois se conheceram, os passeios noturnos dos dois em Roma e a amizade deles com Marcello Mastroianni.

Isso tudo é exposto por meio de uma mise-en-scène quase teatral, com o longa tendo como,palco o lendário estúdio 5 do complexo Cinecitá, locação principal dos filmes de Fellini. Não esperem, portanto, recriações magníficas de cenários italianos de antes da Segunda Guerra Mundial.

Os ambientes onde a ação se passa são bastante intimistas e a fotografia busca emular o clima dos filmes de Fellini, especialmente o preto-e-branco que marcou obras-primas como “A Doce Vida” e “8 1/2”. Até mesmo quando a trama lança mão de efeitos especiais são os mais básicos e práticos possíveis, como projeções de cenários que jamais buscam esconder suas verdadeiras naturezas.

Somente as versões joviais de Fellini e Scola são vistas em plenitude na tela (interpretadas com alegria e encantamento por Tommaso Lazotti e Giulio Forges Davanzati, respectivamente). Já as versões mais velhas dos cineastas, reconhecidas como ícones, são sempre mostradas envoltas por sombras ou em filmagens de arquivo.

Isso porque Scola não quis humanizar excessivamente a imagem que o público tem de Fellini. Retratar um mito é diferente de mostrar um homem e o diretor quis prestar homenagem às duas facetas de seu amigo, sem diminuir nenhuma delas, uma escolha bastante apropriada.

Em retrospecto, “Que Estranho Chamar-se Federico” pode ser resumido como uma conversa de bar onde o interlocutor nos conta um pouco sobre suas aventuras com um grande e querido amigo. A fuga que encerra a produção mostra que, por mais que Federico tenha morrido, Fellini ainda está vivo e bem, e continua a encantar cinéfilos de todo o mundo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre