Planos dignos de moldura e trabalho de som notável se encaixam perfeitamente para narrar uma sensível história de (re)descobertas.
Fred é um homem solitário que leva uma vida obsessivamente regrada e monótona. Todos os dias realiza as mesmas tarefas, janta a mesma coisa, frequenta a Igreja e escuta Bach. O local onde vive parece ter parado no tempo, se acomodando com a monotonia e o padrão obedecido até por crianças, que jogam futebol sem toda a agitação da infância, somente em curtos toques. O sólido padrão da rotina é ameaçado quando um morador de rua com deficiência aparece na vida de Fred, tirando-o de seu conforto.
À primeira vista, a premissa e a ambientação podem parecer simplória: uma cidadezinha isolada, com poucas pessoas e casas; a clássica rua que termina em uma igreja; a comunidade que se conhece e compartilha toda uma vida. A narrativa, no entanto, esconde uma grande jornada, nada simples, mas cheia de profundidade e sensibilidade.
“A Montanha Matterhorn” é sobre a intolerância contra novos padrões, que são tratados como infernais: vide a metáfora da cor vermelha, parafraseando Scorsese, na iluminação de uma boate. É um filme sobre o conforto proporcionado pela estagnação, indicada pela preocupação em compor planos onde o paralelismo de formas é exaltado e a simetria marcante. Mais do que isso, é sobre a descoberta de um novo propósito ou um redescobrimento da própria motivação de vida.
E como toda descoberta e adaptação leva tempo, não ocorre de uma hora para outra. Um dos grandes trunfos do roteiro é, justamente, conseguir manter esse ritmo, onde a cada sequência ou a cada cena pequenos detalhes são adicionados à narrativa. Informações vitais sobre o passado das personagens ou mesmo sutilezas que terminam por enriquecer sua trajetória de verossimilhança aparecem aos poucos.
Por isso, não é difícil a identificação com Fred, um homem que, a partir de um fato traumático do passado, escolheu se recolher do mundo e deixar, por medo, que uma rotina inexpugnável regrasse sua vida. Para isso, Tom Kas compõe um personagem contido, que deixa passar a grande mágoa que carrega por meio de pequenas expressões e olhares perdidos. Por outro lado, René van ’t Hof, que interpreta o morador de rua, cria um tipo amável e inocente e dá o tom exato de humor necessário ao longa.
A condição monótona da pequena cidade em que se passa a história é claramente representada pela mixagem de som, que coloca cada pequeno detalhe sonoro em evidência, como se o tédio nos levasse a reparar em coisas aparentemente inúteis. Entretanto, esse mesmo design de som passa a causar justamente o efeito contrário ao criar um desconforto no espectador pela presença do estridente bater de talheres ou ruídos de relógio, como se a monotonia não fosse natural e quase atingisse o status de prejudicial.
Tal característica é reforçada, ainda, pela fotografia, que utiliza tons pastéis e sem vida, com grande influência dos filmes de Wes Anderson. Aliás, não seria exagero dizer que cada plano no filme deveria ser emoldurado. Durante a projeção, cada corte leva a um novo deslumbramento com a perfeita composição de planos: das paisagens bucólicas que chegam a lembrar pinturas de Van Gogh a uma escura estação de trem, todos os frames dão a impressão que deveriam estar pendurados em uma parede. Ou em toda uma instalação de arte.
“A Montanha Matterhorn” é uma obra prima calcada na simplicidade e que, a partir dela, evoca temas complexos e íntimos. De tom fabulesco, a obra tem humor e drama na medida correta e seus 80 minutos resultam em um filme polido, com uma narrativa leve, porém cheia de significado e profundos questionamentos.