Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 04 de julho de 2014

O Espelho (2013): um instigante terror psicológico

Um thriller que, na maior parte do tempo, segue o modo hitchcockiano de se fazer terror/suspense. O medo, aqui, é psicológico.

Espelho“Não há terror num tiro ou num golpe, mas na antecipação de um tiro ou de um golpe”, dizia Alfred Hitchcock, o mestre do suspense. Mais pura verdade. Em “Tubarão”, de Spielberg, passamos o filme inteiro roendo as unhas esperando o vilão-título aparecer, e é justamente essa expectativa agoniante que fez de tal obra um verdadeiro clássico, não o tubarão em si. E assim também é este “O Espelho”, novo filme de Mike Flanagan. Quando se preocupa mais em antecipar o medo e focar no suspense ao invés de entregá-lo de bandeja aos espectadores, o resultado é fascinante.

Adaptação de um curta do próprio Flanagan, de 2006, “O Espelho” (“Oculus”, no original), roteirizado juntamente com os estreantes Jeff Howard e Jeff Seidman, conta a história dos irmãos Tim (Brenton Thwaites) e Kaylie (Karen Gillan), que viviam felizes com seus pais até que, após uma série de incidentes perturbadores, Tim é acusado de matá-los e é mandado para uma espécie de prisão psiquiátrica, sendo liberado 11 anos depois. Então, sua irmã o acolhe e o cobra para que eles cumpram a promessa realizada na fatídica noite de 11 anos atrás: a de destruir um espelho que acreditam ser amaldiçoado e o verdadeiro responsável pela morte de seus pais.

Partindo de uma estrutura fragmentada e não-linear, o diretor une passado e presente em um entrelaçamento curioso e até certo ponto perigoso, mas extremamente orgânico e que se encaixa perfeitamente no estilo narrativo proposto. É interessante notar, por exemplo, como Tim age no presente exatamente como a irmã mais velha Kaylie agiu no passado, protegendo-a e usando mais a razão do que a emoção, em uma inversão de papéis que ilustra como o garoto realmente amadureceu e exorcizou os fantasmas do passado, enquanto a irmã, pelo contrário, os alimentou e fortaleceu durante anos, culminando na paranoia presente para destruir o tal objeto assombrado.

Neste sentido, é digno de reconhecimento a atuação do casal protagonista, mais especificamente de Karen Gillan, que consegue transmitir com um timing perfeito toda essa neurose e angústia de sua personagem, em uma composição minimalista e bastante convincente. O modo como ela dialoga com o Espelho na primeira vez em que se reencontram é sintomático, com uma expressão e em um tom de voz que beira o sádico, como se estivesse realmente feliz em rever o inimigo que a aterrorizou durante anos e que ela agora pretende destruir por completo.

Dessa forma, aos poucos o filme vai nos seduzindo a entrar nesta paranoia de Kaylie, assim como Tim. A partir de então, a estrutura fragmentada se intensifica, acrescentando um elemento de manipulação da realidade absolutamente assustador, transformando a experiência cinematográfica não apenas em um terror qualquer, mas em um thriller psicológico angustiante. Flanagan abusa do uso de espelhos genéricos ao longo da película justamente para reforçar essa ideia, de dualidade e desconfiança sobre o que é real, verdadeiro e o que é falso e imaginação dos personagens.

Além disso, o trabalho também é belíssimo do ponto de vista estético, uma vez que a fotografia de Michael Fimognari adota uma abordagem clássica para o tema e – por que não? – funcional, com planos fechados e claustrofóbicos e um jogo de sombras e contrastes eficientes. A maneira como a câmera do diretor se movimenta ao se aproximar d’O Espelho e dos personagens tocados por sua influência sobrenatural é criativa e inteligente, gozando do uso do ângulo plongée, do contra-zoom e diversos outros recursos que resultam em sequências realmente memoráveis.

Portanto, não deixa de ser um pouco decepcionante quando o filme parece abrir mão de todas essas qualidades que o fizeram funcionar tão bem nos dois primeiros atos para, no terceiro, tornar a experiência em um terror genérico, com espíritos e aparições para todo lado, escanteando seu suspense intimista de lado. O desfecho é, até certo ponto, previsível e pouco empolgante.

Tais deslizes, entretanto, não chegam a comprometer significativamente a atmosfera de medo e tensão tão cuidadosamente construída ao longo de toda a película. Assim, temos um longa eficiente e que se sustenta justamente no clima citado. Como temos um final que deixa inúmeras portas abertas, quem sabe não estamos diante de um primeiro capítulo de mais uma dessas franquias de terror criadas nos últimos anos? É possível, agora é aguardar pra conferir.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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