Cinema com Rapadura

Críticas   sábado, 07 de junho de 2014

A Culpa é das Estrelas (2014): uma doce e manjada história de amor

Uma história que já vimos dezenas de vezes anteriormente disfarçada sob outras formas, mas que não por isso perde seu brilho.

EstrelasJohn Green é um vlogger e escritor norte-americano que vem fazendo sucesso absoluto no ramo literário. O romance “A Culpa é das Estrelas” vem alcançando posições de destaque nas livrarias do mundo inteiro e não é raro você ver jovens, especialmente garotas, com o livro nas mãos em qualquer lugar que seja. Algo que não é muito surpreendente quando você lê a sinopse da obra, que obedece o velho padrão comercial (e universal!) boy meets girl (no caso, girl meets boy), adicionando o tempero de que o casal possui limitações físicas e problemas sérios de saúde, dificultando a relação e criando obstáculos que, ainda que assumam uma forma um pouco diferente da usual, já vimos dezenas de vezes anteriormente.

A adaptação do best-seller de Green para as telonas ficou a cargo dos roteiristas Scott Neustadter e Michael H. Weber, responsáveis pelo espetacular “500 Dias com Ela”, e do diretor Josh Boone, que já havia dirigido o longa “Ligados Pelo Amor”, de gênero e temática similares. Assim, o mínimo que podíamos esperar como resultado dessa junção era uma condução segura, o que de fato ocorre quando a falta de sutileza de Boone, que parece a todo instante querer forjar artificialmente um envolvimento emocional, não atrapalha.

No enredo, acompanhamos Hazel Grace, uma adolescente de 17 anos que sofre de câncer em estado avançado e que, por um acaso do destino, em uma de suas relutantes idas às reuniões do Grupo de Apoio, conhece Augustus  Waters, um garoto de 18 anos que também possui câncer, só que em remissão, além de parte da perna direita amputada. Ambos são muito diferentes um do outro, com o menino possuindo um senso de humor aguçado e uma sede de viver fora do comum, chegando a afirmar na primeira vez em que se encontram que seu maior medo é o esquecimento, enquanto a garota acredita que este é inevitável, querendo aproveitar os dias que lhe restam apenas de forma pacata e sem preocupações.

A partir de então, a relação deles se intensifica tendo como ponto central o fascínio de ambos pelo livro fictício “Aflição Imperial”, que conta a história de uma garota com leucemia e termina no meio de uma frase, deixando a entender que a menina morre no final, o que os deixa angustiados e sedentos para saber o que aconteceu com o resto das pessoas envolvidas na trama. Assim, Augustus consegue entrar em contato com o autor da obra, um americano residente em Amsterdã, vivido por Willem Dafoe, em uma participação pequena, mas extremamente bem-vinda, e arranja um encontro com ele na capital holandesa. Em seguida, Augustus, Hazel e sua mãe embarcam em uma viagem que mudará suas vidas.

A boa dinâmica do casal principal, interpretados pela nova queridinha de Hollywood Shailene Woodley e por Ansel Ergot, ambos recém saídos do blockbuster “Divergente” (lá, eram irmãos), garante a sustentação do longa, especialmente quando o tom leve e delicado prevalece sobre o pesado e nada sutil dramalhão proporcionado por Josh Boone do final do segundo ato em diante. Enquanto o foco está na doce relação dos dois, construída na base do altruísmo, do amor puro e da amizade, a narrativa se sustenta com eficiência e carisma.

O show de exageros na parte final da fita, entretanto, quase põe tudo a perder. Não que a emoção em si seja um problema, muito pelo contrário, ela é legítima e, acredito que para a grande maioria das pessoas, real e eficiente. O problema está na forma e nos recursos empregados para alcançá-la. Close excessivo no rosto dos personagens, overacting, discursos românticos e emotivos encaixados de forma pouco orgânica, trilha intrusiva e que faz questão de marcar cada momento de maior excitação, quase como bradando “chorem!” para os espectadores; tudo é orquestrado de maneira muito óbvia, como se houvesse certa insegurança dos realizadores quanto ao envolvimento emocional natural decorrente da própria história contada, tornando-o artificial e quase irritante.

De todo modo, por mais que utilize métodos pouco criativos e rasteiros em muitas ocasiões, é justo destacar que há sim méritos artísticos e técnicos dignos de nota, como a direção de arte, que ao estabelecer o azul como sendo a cor base de Hazel Grace, faz uso dela para criar rimas e metáforas visuais que permeiam a película em sua totalidade. A começar pelo próprio azul do céu, que contrastando com o brilho das estrelas que dão título à obra, preenchem o quarto da garota numa bela composição que ilustra não só a personalidade de Hazel, mas também a sua busca por felicidade e auto-descoberta.

Dessa forma, por mais que seja bem atuado e possua momentos realmente interessantes, funcionando razoavelmente bem durante boa parte da projeção, não deixa de ser uma certa decepção quando aquele que era para ser o principal trunfo de um filme acaba por ser a sua própria armadilha. A culpa com certeza não foi das estrelas.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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