Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de junho de 2014

Grand Central (2013): longa francês aposta em temática inovadora

Segundo trabalho da cineasta Rebecca Zlotowski, "Grand Central" aposta em uma trama interessante e uma estética inspirada para mascarar a fraca história.

Grand-Central-posterCom sua abordagem quase documental, a francesa Rebecca Zlotowski trata de um tema praticamente desconhecido: a realidade das usinas nucleares e seus trabalhadores. Extremamente dependente dessa fonte energética, a França é o país europeu que, por falta de alternativa, mais a utiliza. Periodicamente examinados para verificar os níveis de radiação absorvidos, os operários de centrais nucleares têm de partir assim que estes se elevam, voltando ao desemprego.

A trama, relativamente simples, gira em torno de Gary (Tahar Rahim), um rapaz que vê no perigoso emprego de limpeza em uma usina uma boa oportunidade profissional. Pobre, com pouca escolaridade e disposto a enfrentar o perigo, Gary acaba se envolvendo com Karole, vivida pela nova musa do cinema francês, Léa Seydoux. Homem de poucas palavras e boas intenções, Gary tem sua coragem mostrada pela diretora de maneira orgânica, como nas cenas em que, displicentemente, monta em um touro mecânico.

A usina, sempre retratada de maneira imponente pela câmera trêmula de Zlotowski, é um lugar no mínimo intrigante. Repleto de regras de segurança (e de exceções e brechas), o local é povoado por pessoas simples e de vulnerabilidade tocante. Segundo Zlotowski, essas figuras são pouco inteligentes, vivem seminuas e veem-se obrigadas a compartilhar não só espaços físicos, mas às vezes até os parceiros.

Nesse ambiente, o único inimigo é inodoro, incolor, insípido e invisível. E seus efeitos iniciais, como taquicardia e dilatação das pupilas, são semelhantes aos de uma paixão avassaladora, algo exposto com brilhantismo logo no primeiro ato. Incrivelmente lento para seus 90 minutos de projeção “Grand Central“ peca pelo roteiro arrastado.

O longa, mal interpretado por alguns, recebeu acusações de misoginia. Propondo-se a explicitar a realidade, o filme o faz, quer gostemos ou não. Nele, as poucas mulheres desempenham funções simples e são vistas como objetos sexuais. Amada e odiada por seus colegas, Karole é vista como uma mulher lasciva que, sempre usando roupas curtíssimas, parece fadada a satisfazer os instintos dos homens ao seu redor. Essa fachada, contudo, esconde uma moça que teme se apaixonar, já que vive em uma conjuntura severa demais para que possa demonstrar seus sentimentos.

A obra conta com um design de produção e uma fotografia brilhantes. Os interiores das locações possuem cores chapadas e dessaturadas, ao passo que as cenas ambientadas na natureza, onde os personagens se libertam do cotidiano massacrante, traz uma fotografia evocativa que vai se tornando gradativamente sombria à medida que a paixão de Gary o destrói.

Os esforços autodestrutivos do personagem são realmente intrigantes. Mesmo trabalhando em uma empresa preocupada com a saúde dos funcionários, ele insiste em continuar no serviço após contaminado. Quanto mais ama, maior é a dosagem de radiação em seu corpo. Dessa forma, fica latente que sutileza não é o forte de Zlotowski, que chega a incluir metáforas constrangedoramente óbvias para redenção, virgindade e pecado.

“Grand Central” é uma produção simples, realista e menos complexa do que insinua ser. Segunda obra da jovem cineasta, já traz elementos estéticos que certamente serão melhor aproveitados quando associados a uma história envolvente. Aguardemos.

Bernardo Argollo
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