Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de maio de 2014

Godzilla (2014): o Rei dos Monstros ainda mantém sua majestade

Esta homenagem aos 60 anos deste verdadeiro ícone da cultura pop funciona maravilhosamente bem quando o convidado de honra da festa chega pra brincar. O problema é a timidez dos realizadores em dar ao monstro o destaque que merece.

O kaiju Godzilla (ou “Gojira”, no original japonês) é o Rei dos Monstros. Ele encontra-se profundamente enraizado na cultura pop, sendo um ícone facilmente reconhecível em praticamente qualquer lugar do mundo. Por conta de sua longeva existência – o longa original fora lançado em 1954 -, o grandalhão já teve diversas encarnações, algumas mais destrutivas, outras mais benevolentes para com o homem.

Com uma nova reimaginação da franquia neste “Godzilla” em mãos, o cineasta Gareth Edwards tentou prestar homenagens às várias visões dadas ao personagem no decorrer dos anos, não só na persona da criatura exibida em cena, como também no próprio desenrolar da narrativa. É uma pena que essa homenagem acabe se levando a sério em demasia, embora seja essa mesma seriedade que acabe por sustentar o eficiente primeiro ato da projeção.

O roteiro, escrito pelo quase estreante Max Borenstein, mostra a existência de monstros gigantes (os MUTOs) como um segredo encoberto pelos militares e por uma corporação misteriosa chamada Monarch, em um eficiente clima de conspiração que sustenta o terço inicial do filme.

Quinze anos após a morte de sua esposa (Juliette Binoche) durante um ataque acobertado, um perturbado cientista chamado Joe Brody (Bryan Cranston) chega perto demais da verdade e, enquanto os ataques começam a se espalhar pelo mundo, o filho afastado do cientista, o tenente Ford (Aaron Taylor-Johnson), acaba no meio do caos e destruição, tentando desesperadamente voltar para sua esposa (Elizabeth Olsen).

Durante a película, vemos que Edwards e Borenstein tentam aliar os chavões de filmes-catástrofe com os dos longas de kaijuu japoneses, jogando claramente para a plateia com os elementos deste último. O problema é que não há uma mescla perfeita entre esses ingredientes, o que acaba inchando um pouco a produção, especialmente com o excesso de personagens característicos dos dois gêneros que surgem durante a projeção, que são ou pouco desenvolvidos ou abandonados repentinamente, sendo isso especialmente verdade nos papeis femininos, com Elizabeth Olsen e Sally Hawkins criminosamente desperdiçadas em tela.

Quando Bryan Cranston, o homem comum que se torna obcecado pela tragédia, é deixado de lado, seu lugar como provedor de diálogos científicos é tomado por Ken Watanabe, que vive o cientista-chefe da Monarch. Nisso, as cenas humanas acabam centradas em Aaron Taylor-Johnson, que não se mostra exatamente um poço de carisma quando comparado com Cranston, Watanabe ou Godzilla, o verdadeiro chamariz do projeto.

Enquanto as sequências de ação estreladas por Johnson caem nos clichês, aquelas que têm foco nos monstros sempre chamam a atenção pela criatividade, o que acaba frustrando ainda mais o público com a insistência dos realizadores em voltar suas atenções a Ford, que deveria ter assumido um papel coadjuvante na narrativa após a introdução de Godzilla, mas acaba participando de algumas cenas que poderiam facilmente ser omitidas sem criar prejuízo com a identificação da audiência com o humano.

Não há erro nenhum na aparição do monstro levar uma hora para acontecer. O escorregão está em não entregar para ele, deste ponto em diante, o cargo de protagonista da fita, especialmente considerando o rumo que a história toma. Os cortes de alguns dos confrontos entre as criaturas durante o segundo ato acabam irritando ao invés de gerarem expectativa para a clímax da fita.

A redenção da película está no seu terceiro ato, quando finalmente a geração atual começa a entender o porquê de Godzilla não ter perdido sua majestade. Mesmo com a movimentação pesada do monstro remetendo aos movimentos dos filmes antigos de Ishirô Honda, quando ele era vivido por um ator em uma roupa de borracha, ele se mostra ameaçador e selvagem, executando seus golpes clássicos enquanto ataca seus inimigos igualmente monstruosos e gigantescos, com um deles, alado, aludindo a Mothra, um dos adversários clássicos de Godzilla.

O visual do monstro é perfeito, na medida que o mantém reconhecível para os fãs antigos sem deixar de impressionar os não iniciados. Os efeitos especiais são de primeiríssima linha, embora as cenas escuras de uma história que se passa essencialmente a noite comprometam ainda mais um 3D quase inexistente. No entanto, o formato IMAX é recomendável por valorizar não apenas o belo design sonoro do longa, mas também a magnífica trilha de Alexandre Desplat.

No frigir dos ovos, faltou para Gareth Edwards um pouco da coragem dos cineastas japoneses que não possuem medo de colocar uma criatura gigante como protagonista da história. O amor do diretor pelo Rei dos Monstros se mostra claro no final do filme, mas ele devia ter feito com que este transparecesse durante todos os minutos da obra.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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