Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de maio de 2014

Os Dias Com Ele (2012): uma busca humana e sensível

Em seu filme de estreia como diretora, Maria Clara Escobar nos leva em uma jornada extremamente pessoal, procurando respostas sobre suas origens nas ações e falas de seu pai, o intelectual Carlos Henrique Escobar.

imageA busca que fazemos por nós mesmos geralmente passa pelos nossos progenitores, especialmente se a vida nos afasta deles de algum modo. A curiosidade por descobrir de quem viemos é algo inerentemente humano. Portanto, é fácil para o público se identificar com este “Os Dias Com Ele”, primeiro filme da jovem cineasta Maria Clara Escobar.

O que começou como uma série de entrevistas da moça sobre o passado de seu pai, o intelectual de esquerda Carlos Henrique Escobar, logo se revela uma criatura completamente diferente, com a obra e sua diretora em uma busca por compreender mais sobre aquele frágil homem por meio de suas ações e conversas “em off” do que nos momentos em que ele sabia estar sendo gravado.

Fica logo claro que a realizadora estava tão no escuro quanto nós sobre quem era aquele homem na sua frente. Rapidamente, o documentário não se mostra muito interessado na figura pública de Carlos Henrique, objetivando descobrir mais sobre aquele homem recluso, o que espelha a curiosidade da diretora por saber mais sobre quem é o seu pai.

Destarte, a fita deixa um pouco de lado os questionamentos sobre o corpo da obra de Escobar ou pelo que este passou durante o período da ditadura. Não é o lado profissional, político ou artístico de Carlos Henrique que assume o picadeiro central aqui, apesar destes serem pincelados eventualmente, com alguns rancores do entrevistado sendo também expostos, algo que pode ser visto quando ele fala da esquerda brasileira atual ou de uma antiga rusga para com o escritor Ferreira Gullar.

Enquanto Maria Clara tateia em sua busca por descobrir quem é aquele homem do outro lado da câmera, vemos ali um senhor de idade orgulhoso de ter sobrevivido às dificuldades que a vida jogou em seu caminho, mas também com uma certa “culpa de sobrevivente”, especialmente em relação aos irmãos, e que busca exercer algum controle sobre aqueles ao seu redor para tentar demonstrar sua relevância e pertinência – uma breve e prosaica discussão sobre um martelo ilustra bem isso.

A resistência inicial de Carlos Henrique em falar sobre seu período de cárcere e tortura durante a época da ditadura também é deveras reveladora, bem como o fato de o tema fluir de maneira mais natural quando ele recorre a citações de sua própria obra, momento em que ele também aproveita para tecer críticas a alguns atores que interpretaram seus textos. Escobar também se mostra um boêmio nostálgico por seus dias de glória e um desacreditado nas pessoas, tendo trocado a companhia da maioria delas (salvo sua atual esposa e seu caçula) pela dos seus gatos, que são uma presença constante durante as conversas dele com a câmera.

A diretora usa imagens que quase parecem de making of para compor seu filme, como momentos do entrevistado colocando o microfone ou conversas que seriam de pré-entrevista, sempre buscando respostas e interações mais reais com o homem, no lugar de discursos do personagem que todos nós criamos quando estamos sob o escrutínio de uma câmera, com Escobar não sendo uma exceção. O que mais importa para a obra é desvendar a versão de Escobar que vive há muitos anos em um auto-exílio em Portugal, longe da filha.

Em alguns momentos, Maria Clara nos mostra imagens de arquivo em Super-8 dela pequena interagindo com homens adultos e afirma “Este não é o meu pai”. Escobar jamais tenta justificar diretamente o seu distanciamento para com a filha, algo que ele parece perceber não ser possível, tornando-se este um “elefante no recinto” que se torna quase um personagem em si na própria narrativa. O principal arco dramático aqui é o da própria descoberta de Maria Clara em relação ao homem que está na sua frente. O resultado dessa procura tão humana é um filme com uma sensibilidade única que vale a pena ser visto.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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