Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de maio de 2014

O Espetacular Homem-Aranha 2 (2014): sequência não impressiona

Para os fãs, assistir ao longa pode ser uma experiência deveras agridoce. Por um lado, o longa possui os momentos mais eficientes de toda a cinessérie do herói aracnídeo, seja em cenas dramáticas ou de ação. Entretanto, a fita sofre de problemas estruturais e de roteiro graves, que comprometem o resultado final da aventura.

EspetacularO grande problema desta segunda empreitada cinematográfica do diretor Marc Webb com os quadrinhos criados por Stan Lee e Steve Ditko (usando também alguns conceitos da reinvenção feita por Brian Michael Bendis na década passada) é que o roteiro perde tanto tempo tentando ampliar o universo do personagem e lançar ganchos a serem explorados em outros filmes que, por vezes, esquece de seu personagem-título, justamente quando encontra o tom certo para o protagonista.

Peter Parker (Andrew Garfield) parece ter equilibrado seu papel como Homem-Aranha, o namoro com Gwen Stacy (Emma Stone), faculdade e trabalho. Mas ainda se vê assombrado pelo passado, tanto pela promessa feita ao falecido pai de Gwen de se afastar da moça, tanto pelo misterioso desaparecimento de seus pais. Mas o retorno de seu velho amigo Harry Osborn (Dane DeHaan) traz novas revelações sobre a perigosa companhia Oscorp, de onde surge um novo vilão, o poderoso e mentalmente instável Electro (Jamie Foxx).

A franquia deixa de lado as angústias artificiais do seu Peter Parker e permite que Andrew Garfield nos apresente a um herói divertido e que gosta de abraçar o seu lado aracnídeo com muito bom humor, interagindo com os cidadãos de Nova York e zoando seus inimigos sem dó. A combinação de piadas infames e cenas de ação incríveis (embora eventualmente artificiais, especialmente por conta de seu principal adversário) parece transpor a energia dos gibis para a telona. A direção de fotografia de Daniel Mindel repleta de cores vivas captura muito bem essa alegria do filme. Some-se isso aos ângulos extremamente dinâmicos pelos quais a ação é retratada e temos um verdadeiro banquete para os olhos.

Até mesmo alguns dos figurinos bizarros que o Aranha usa durante o filme, como sua “roupa de inverno” ou o capacete de bombeiro, contribuem para a formação de um herói mais irreverente sem ser bobo, algo que combina perfeitamente com a proposta mais juvenil do cabeça de teia, fazendo um contraste perfeito com a tensão e o desenlace do terceiro ato, retratado em uma elipse maravilhosa, que dialoga tanto com a linguagem dos quadrinhos e com a filmografia do próprio Marc Webb.

Além disso, todos os momentos em que a adorável Gwen Stacy surge em cena parece que uma luz a acompanha. A bela Emma Stone está radiante, justificando com sobras o amor que Peter sente por ela. Os diálogos entre Stone e Garfield, namorados na vida real, fluem de maneira absolutamente orgânica, com cada troca entre eles exalando charme e uma química irresistível. Com o carisma de Stone, Gwen não é só um interesse amoroso passivo, mas uma jovem mulher apaixonada e apaixonante.

Mas aí chega o Max Dillon/Electro de Jamie Foxx… Antes de assumir sua posição como vilão, Foxx parece estar mimetizando o comediante Richard Pryor no desastroso “Superman III” em uma performance “cômica” forçada e sem ritmo. A “adoração” que Dillon possui para com o Aranha lembra muito o Charada de Jim Carrey no esquecível “Batman Eternamente”, inclusive na interpretação exagerada. Até mesmo a trilha sonora que acompanha Electro é irritante e chega a atrapalhar os diálogos do personagem.

Após o acidente bizarro que o transforma no Dr. Manhat…, ops, no Electro, lhe concede super-poderes, a loucura que acomete Max jamais dialoga com sua versão anterior, algo que vaza até mesmo para o visual deste, com a falha nos dentes dele sumindo magicamente após se tornar Electro. As cenas de ação envolvendo Max são desprovidas de qualquer tensão (sem trocadilho), com as brincadeiras do Aranha sendo seu único diferencial.

O Harry de Dane DeHaan consegue estabelecer uma dinâmica interessante com Peter, mas os dois dividem muito pouco a cena para que a mudança do personagem possa chocar o público. O motivo que leva o jovem Osborn ao rumo da vilania, uma doença hereditária anunciada por seu pai, Norman (Chris Cooper, em uma rápida ponta), constitui-se em um furo homérico pela inexplicável velocidade de sua progressão. Mesmo assim, há um peso muito maior na única e curta batalha que ele trava com Aranha do que em todas as cenas em que Electro aparece somadas. Diabos, até a rápida ponta de Paul Giamatti como o vilão Rino tem mais força (de novo, sem trocadilho) que todas as aparições de Dillon. Aliás, Giamatti surge se divertindo horrores na tela, coincidentemente em dois dos melhores momentos do filme.

O exagero de tramas e subtramas provavelmente é derivado do excesso de roteiristas, com o longa tendo sido escrito a oito mãos por Alex Kurtzman e Roberto Orci (“Star Trek”), ao lado de Jeff Pinkner (“Lost” e “Alias”) e de James Vanderbilt. Introduzindo de maneira forçada elementos de outros cinco inimigos clássicos do Aranha em uma tentativa de criar ganchos para spin-offs e continuações, bem como com a obrigação de resolver o mistério por trás dos pais de Peter, a fita se transforma em uma experiência inchada e longa, com a montagem de Pietro Scalia falhando em dar coesão a esse excesso de plots.

Debaixo dessa confusão toda, estão alguns dos melhores momentos do herói na sétima arte, seja em batalha ou em suas interações mais íntimas. Uma pena que o filme como um todo não faça jus a essas pequenas pérolas.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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