Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de março de 2014

S.O.S. Mulheres ao Mar (2014): sexista e sem graça

Anacrônico e machista, trata-se de uma produção que, ao tentar fazer rir, acaba por exibir a mulher de um modo grotesco e misógino.

SOSExistem muitas coisas inacreditáveis neste “S.O.S. Mulheres ao Mar”. Principalmente que este longa exista em pleno século XXI e que tenha sido dirigido por uma mulher. A diretora Cris D’amato, que comandou o interessante “Sem Controle”, aqui surge em uma fita anacrônica, machista e desinteressante dos pontos de vista narrativo e visual.

No filme, Adriana (Giovanna Antonelli), tradutora de filmes pornô e aspirante a escritora, é casada há dez anos com o arquiteto Eduardo (Marcello Airoldi). Quando este pede o divórcio e larga Adriana, indo com a nova companheira, Beatriz (Emanuelle Araújo), para um cruzeiro para a Itália, nossa “heroína” resolve embarcar também no navio e tentar reconquistar o marido, levando a tiracolo sua atirada irmã Luiza (Fabiula Nascimento) e a doméstica amalucada Dialinda (Thalita Carauta). No caminho, Adriana tem como vizinho de cabine André (Reynaldo Gianecchini), com quem tem alguns desencontros.

O roteiro do longa, escrito por Marcelo Saback, Rodrigo Nogueira e Sylvio Gonçalves, é um verdadeiro monstro de Frankenstein, reciclando cenas de outras comédias de maneira insana (especialmente “O Casamento do Meu Melhor Amigo”). Mas não é a reutilização de gags e piadas de obras alheias que mata essa comédia romântica, mas sim a falta de caráter do texto em seu trato com as mulheres que, em tese, são o público-alvo da produção.

Ora, a própria Adriana admite que colocou seus sonhos no proverbial saco pelo bem do marido, se submetendo aos caprichos deste. Depois, tenta reconquistar esse “homem da sua vida” lançando mão de expedientes mesquinhos e torpes, inclusive atingindo de maneira baixa e cruel a namorada do cidadão, uma pessoa que havia sido descrita como uma mulher inteligente e caridosa, com as ações vingativas contra a moça sendo glorificadas pela narrativa.

A auto-estima duvidosa e a canalhice de Adriana tornam uma protagonista ridícula, nada divertida e incapaz de sustentar a narrativa. A culpa não é de Giovanna Antonelli, que tenta fazer o possível com o material que lhe fora dado mas, com exceção do momento em que Adriana fica bêbada, a personagem mais parece um buraco negro, sugando toda a energia das cenas em que participa.

A irmã e a doméstica da protagonista, as proverbiais “melhores amigas” obrigatórias em comédias românticas, também tomam atitudes hipócritas e mesquinhas durante o cruzeiro, mas ao menos conseguem fazer rir, isso porque o texto lida com Luiza e Dialinda de modo leve, com suas ações jamais prejudicando intencionalmente terceiros.

Nisso, Fabiula Nascimento e Thalita Carauta tornam-se a melhor coisa em cena deste naufrágio. Já Reynaldo Gianecchini acaba preso em uma mesma piada e está lá apenas para ser o novo homem da vida de Adriana, exibindo pouca química com Antonelli (mulher ser feliz sem um homem? Impossível!), embora seja um mistério o motivo do seu André se interessar pela moça em primeiro lugar, considerando que ele assiste de camarote a mesquinharia de Adriana e sabe do que esta é capaz.

Correndo o risco de entrar no lugar-comum atestando o óbvio, o visual da fita está longe de ser digno de uma produção cinematográfica, mais lembrando um especial de fim de ano de TV, reutilizando a ideia do recente “Meu Passado Me Condena” ao utilizar o interior de um navio como cenário, fazendo propaganda de um cruzeiro marítimo no processo.

Duvido alguém assistir aos créditos iniciais, que mais parecem ter sido feitos por um estudante de primeiro semestre de publicidade que usou pela primeira vez o Sony Vegas, sem sentir uma pontada imensa de vergonha alheia. A trilha sonora abusa de tons genéricos, algo que faz sentido tendo em vista a natureza brega do cruzeiro italiano.

O longa ainda tenta deixar uma mensagem final para o público, mensagem esta que se revela tão fraca e torpe quanto sua protagonista. Dolorosamente fraco, os 90 minutos da fita se arrastam como se mostrassem o cruzeiro em tempo real, com a desvantagem que não dá para se trancar na cabine fazendo algo melhor enquanto a maluca bêbada dança o Kuduro.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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