Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de março de 2014

Instinto Materno (2013): a face danosa do amor primário

Direção instável prejudica uma boa proposta do longa romeno, onde a relação entre mãe e filho é elevada ao ponto da dominação.

166802.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxO amor de mãe talvez seja a forma mais primária de amor. A criação de um filho gera uma ligação indelével, uma espécie de cordão umbilical que tende, de maneira saudável e natural, a afrouxar no decorrer da vida, mas nunca a se soltar completamente. Isso se comprova  da maneira mais banal no cotidiano quando, mesmo depois da maturidade do filho, a preocupação materna com ele se mantém mesmo durante problemas que parecem ser mínimos.

O problema começa justamente quando esse cordão não afrouxa e a figura da mãe se expande para algo controlador. E são os efeitos desse tipo de interação que são explorados no romeno “Instinto Materno”. Vindo de uma prolífica geração de cineastas do país que nos entregou filmes como “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” (Cristian Mungiu, 2007), o filme narra a história de Cornelia (Luminita Gheorghiu) que tenta proteger a todo custo seu filho, Barbu (Bogdan Dumitrache), depois que este atropela por acidente uma criança e a mata.

A premissa aparentemente simples progride em ritmo lento, acompanhando de perto os dias que se seguem após o homicídio e revela a total obsessão que sua mãe possui por ele. Do controle dos atos do filho por meio de informações sobre sua vida até uma satisfação quase sexual em lhe fazer uma massagem para aliviar as dores de um ferimento, a dependência da mãe por sua cria toma proporções cada vez maiores.

Sem a aprovação ou mesmo o conhecimento do filho, Cornelia utiliza de sua posição social privilegiada para tentar livrá-lo, ao máximo, da pena que o aguarda. Explorando a corrupção das instituições em um policial que fica interessado nas possibilidades de contato da influente cenografista e dos indivíduos ao pagar por uma mudança no depoimento de outro envolvido no acidente, o senso de Cornelia sobre a proteção de Barbu tolhe cada vez mais a liberdade dele. E se é interessante do ponto de vista do interior do ser humano observar o caráter dominador da mãe, tal aspecto do roteiro é extremamente funcional em representar uma metáfora da crise política que a Romênia viveu em 2012, na qual as bases da democracia ameaçaram ser abaladas.

Há, também, de se destacar o trabalho das atuações de Gheorghiu e Dumitrache. Na primeira, encontramos uma complexidade de emoções que variam do nobre desejo de proteger o filho até o desvio dessa proteção para o encarceramento, culminando em um clímax em que todos os sentimentos explodem e são habilmente representados pelo design de produção em uma sala azul e vermelha, representando esta dualidade. Por outro lado, para a caracterização de Barbu, observamos um trabalho mais discreto, de olhares desiludidos pela morte de uma criança e postura encolhida pela vulnerabilidade.

A direção, entretanto, segue sem sutilezas e segurança. O estilo documental remete ao caráter primário do sentimento materno, mas se torna tão sem controle quanto a protagonista. A câmera na mão causa bastante desconforto com movimentos bruscos que perduram por toda a projeção, sendo complementada por saltos de eixo muito frequentes. Enquanto isso, a montagem não acerta o passo do filme, alternando cortes secos e frenéticos em cenas focadas apenas em diálogos com longos planos que favorecem a perturbada movimentação da câmera.

“Instinto Materno” é instigante em diversas leituras e conta com um duo de atores em forma que consegue construir, juntamente com o roteiro, personagens tridimensionais e relações complexas. O andamento, de maneira geral, lento, se preocupa em mostrar detalhes, mas não chega a ser um incômodo como a direção e montagem totalmente deslocadas da proposta. Apesar disso, vale a pena ser visto.

Mateus Almeida
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