Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de março de 2014

Alemão (2014): drama policial mostra momentos antes da pacificação

Longa irregular é prejudicado por roteiro raso

O complexo do Alemão é um conjunto de favelas da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, infestado de bandidos de todo tipo, especialmente traficantes de drogas, que se intitulavam donos do local.  Na década passada, as autoridades brasileiras começaram, tardiamente, as ações de pacificação e retomada de várias favelas dominadas pelo crime organizado. Em 2010, na maior ação militar conjunta já vista no Brasil, foi a vez do complexo passar pelo mesmo processo. Pouco mais de três anos depois, o diretor José Eduardo Belmonte traz a sua visão sobre a ação.

“Alemão” conta a história de cinco policiais infiltrados, Carlinhos (Marcello Melo Jr.), Danilo (Gabriel Braga Nunes), Branco (Milhem Cortaz), Samuel (Caio Blat) e Doca (Otávio Muller). Seu objetivo era coletar informações sobre a organização da favela e seu “dono”, o Playboy (Cauã Reymond). Depois de uma ação desastrada de um informante, ele são descobertos e ficam presos no morro poucos dias antes da invasão.

O filme, escrito por Gabriel Martins e Leonardo Levis, se desenvolve de maneira rasa e com grande indecisão sobre a abordagem que será dada ao tema. Além do uso excessivo de inserções reais de noticiários (curiosamente, de apenas uma emissora), há pouco aprofundamento de alguns personagens, que surgem de forma caricata e unidimensional.

O maior exemplo disso é aquele que deveria ser o vilão da trama, Playboy. Devido à falta de talento de Reymond, a única maneira encontrada de fazê-lo parecer uma ameaça real é manter o personagem com uma arma na mão sempre que surge em cena. O roteiro faz uso até do clichê máximo do vilão: comer algo trivial enquanto comete alguma atrocidade. Ainda mais rasos são os auxiliares do traficante. Senegal (Jefferson Brasil) e Caveirinha (Marco Sorriso) não fazem nada além de disparar tiros e palavrões em profusão. E, mesmo com essas limitações, ainda demonstram mais talento que seu colega de cena.

Em contraponto, o núcleo dos policiais é a melhor coisa da fita. A química entre o quinteto é quase perfeita, reforçada pelo grande talento de seus intérpretes. A tensão existente entre Danilo e Branco é retratada com firmeza por Milhem Cortaz e Gabriel Braga Nunes. Caio Blat tem uma atuação marcante, porém seu personagem é prejudicado por um artifício desnecessário. Já Otávio Muller é quem tem o maior destaque. A preocupação de Doca em manter a ordem em uma missão desgovernada, além do medo dos traficantes, é palpável. Antônio Fagundes também brilha na maioria de suas aparições, mas é outra vítima da falta de preocupação do roteiro com seus personagens.

A direção de José Eduardo Belmonte é cheia de altos e baixos. Apesar de saber reconstruir a atmosfera da favela, como ao mostrar uma pessoa no bar portando um fuzil com a mesma naturalidade com que outros seguram uma cerveja, as cenas de ação se tornam confusas. Tanto o uso em excesso de planos fechados como da câmera na mão, além de cortes frenéticos, dificultam a compreensão do que está ocorrendo em tela. Da mesma forma, os efeitos visuais pobres durante o tiroteio em uma pizzaria prejudicam a suspensão da descrença do espectador.

Desde o início da projeção fica visível a intenção do diretor de realizar uma obra que dialogue com os dois maiores sucessos recentes do Cinema Nacional: Cidade de Deus” e Tropa de Elite”. Infelizmente, como esse diálogo se resume à temática e a citação de frases marcantes dos longas anteriores, o resultado aqui é uma obra que, apesar de ter alguns bons momentos, soa pasteurizada e artificial.

David Arrais
@davidarrais

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