Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A Gaiola Dourada (2013): de volta à terrinha

Com personagens carismáticos e humor sagaz, produção luso-francesa é um retrato extremamente divertido da pluralidade europeia.

21028463_20130814195616555.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxx“Não há lugar como nosso lar”, disse uma vez uma conhecida garotinha do Kansas. Tão nova e tão sábia! Mesmo que o ser humano possua uma incrível vontade de viajar e conhecer novos lugares, nada se iguala ao conforto da terra conhecida. E quem sabe posso até estar sendo um pouco saudosista em dizer que o lugar de origem é sempre melhor, mas quem já viajou muito sabe que mesmo que se hospede em um hotel com a cama três vezes maior do que a sua, ela não é melhor do que aquele travesseiro surrado e o bom e velho cobertor.

Tal afirmação pode dividir opiniões entre os arraigados, como eu, e os aventureiros de plantão, mas é justamente nesse dilema que se foca a comédia luso-francesa “A Gaiola Dourada”.  Na trama, José e Maria Ribeiro são um casal de imigrantes portugueses que há 30 anos moram na França. Trabalhando respectivamente como mestre de obras e porteira/zeladora, ambos são extremamente solícitos e abnegados e acabam prestando todo e qualquer tipo de serviço a eles pedido pela comunidade moradora do prédio em que vivem ou por seus amigos.

Pelos olhos do casal de protagonistas, enxergamos a difícil situação vivida atualmente na Europa quando a expansão de seu pequeno apartamento na portaria do edifício em que moram lhes é negada. “É a crise”, diz uma moradora a Maria. Além disso a sempre presente questão da livre circulação entre os países que formam a União Europeia também se revela com a condição dos emigrantes portugueses, que conseguem apenas trabalhos com salários pequenos e muitos afazeres, sempre acabando no papel de porteiros ou operários, como evidencia um adolescente durante a projeção.

Vivendo uma vida dura, porém honesta, a família Ribeiro sonha com a volta para sua terra natal, algo que é evidenciado frequentemente pelo design de produção: não são poucos os acessórios domésticos e figurinos que abusam de tons avermelhados e verdes, fazendo alusão à bandeira portuguesa. Contribuindo para o clima nostálgico, uma fotografia de cores acentuadas revela a vida em Paris contrastando com o tom âmbar da moradia dos portugueses que evoca aconchego ou a memória, se aproximando aos tons de sépia.

A situação humilde finalmente sofre uma reviravolta quando o irmão de José morre e deixa a ele uma herança na forma de uma grande fazenda produtora de vinho, com a única condição de que este deve voltar a morar em Portugal. Apesar da ótima notícia, a volta não será assim tão fácil, já que os “dependentes” da família armam um plano para não perderem seus tão prestativos e nada custosos amigos.

O roteiro, recheado de situações hilárias, se vale de um humor ágil e, principalmente, de seus coadjuvantes carismáticos.  Enquanto Lourdes (Jacqueline Corado) , a dramática irmã de Maria e uma das primeiras a arquitetar o golpe para a estadia permanente da irmã, diverte com seu cinismo, seu marido Carlos (Jean-Pierre Martins) representa o clássico cônjuge canastrão que só pensa em futebol. A real fonte de risadas, entretanto, está em Rosa, personagem de Maria Vieira. Debochada, mandona, rabugenta, dissimulada, mas nem por isso menos engraçada, a empregada doméstica dos patrões de José e amiga de Lourdes tem tiradas com perfeito timing que são de gargalhar.

O elenco principal apresenta performances interessantes com destaque para Chantal Lauby, que garante boas surpresas tentando aprender os costumes portugueses e Roland Giraud, de um humor elegante. E de nostalgia pode ser que também viva o elenco, já que após aventuras explosivas em películas norte-americanas (“Velozes e Furiosos 5 – Operação Rio”)  e na TV (com aparições em “24 Horas” e “The Mentalist”), o lisboeta Joaquim de Almeida a boa casa torna, criando um carismático chefe de família esperançoso com a volta para casa.

Comprovando o caráter saudosista da arte portuguesa com a inserção do característico humor francês, “A Gaiola Dourada” é um achado entre as comédias atuais. Contando com um roteiro sem maiores pretensões, mas bem trabalhado  e apoiado por um ótimo elenco, o filme vem para o Brasil confirmar o estrondoso sucesso conseguido na Europa, mostrando todo o poder do cinema de sua terra natal.

Mateus Almeida
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