Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de fevereiro de 2014

Um Conto do Destino (2014): melodrama de fantasia recheado de clichês

Estreia de Akiva Goldsman como diretor é marcada por roteiro problemático e lições de vida e moral artificiais.

UmContodoDestinoAkiva Goldsman foi responsável por roteiros de alguns dos filmes mais badalados dos últimos 20 anos, tanto pela crítica quanto pelo público em geral. “Anjos e Demônios”, “Eu, Robô”, “O Código Da Vinci” e “Uma Mente Brilhante” são apenas alguns dos exemplos mais recentes. Com este último, inclusive, o nova-iorquino foi premiado com o Oscar e o Globo de Ouro. Já consagrado nessa esfera da produção cinematográfica, Goldsman agora se aventura também como diretor, fazendo sua estreia com o drama de fantasia “Um Conto do Destino”, ainda que não abandone o seu lado roteirista.

Adaptado do romance literário de Mark Helprin, o longa acompanha a história de Peter Lake (Colin Farrell), um rapaz órfão que cresceu sozinho em Manhattan no início do século XX e acabou por se tornar um ladrão. Perseguido ferozmente pelo implacável demônio Pearly Soames (Russell Crowe), seu ex-chefe, Lake consegue escapar temporariamente quando encontra um cavalo mágico que o ajuda decisivamente na fuga. Justamente quando executava o seu último roubo antes de fugir da cidade, o jovem acaba cruzando o caminho de Beverly Penn (Jessica Brown Findlay), uma bela moça que está à beira da morte devido a uma doença terminal.

Abusando dos clichês e do melodrama, os dois desenvolvem uma relação amorosa mesmo com todas as adversidades presentes no contexto. Como uma moça que pode falecer a qualquer momento se apaixona perdidamente por um ladrão que invade sua casa com uma arma de fogo na mão – e vice-versa – é algo que o roteiro parece não fazer questão de responder. Os dois se olham e a mágica acontece, simplesmente. “Acredite em milagres”, diz um dos slogans do filme; aqui, Goldsman parece exigir o mesmo inconveniente esforço dos espectadores.

Assim, se termos como “cavalo mágico”, “demônio” e “milagres” continuam soando estranhos mesmo após as quase duas horas de projeção, é porque o próprio roteiro não teve consistência o suficiente para nos fazer comprar aquele universo. Quais os reais objetivos do antagonista em sua missão contra Peter Lake? Que organização é essa para qual os dois trabalhavam? Qual o motivo da desavença entre eles? Como funciona verdadeiramente a dinâmica entre os dois mundos? São apenas algumas das questões simples que foram absolutamente ignoradas ou insatisfatoriamente abordadas pela fita.

Como se não bastasse, o script ainda apela para arbitrariedades absurdas, com o único e exclusivo objetivo de gerar conflitos e dar sequência à trama. Tal conveniência acaba prejudicando o andamento da narrativa, especialmente no terço final de projeção, com algumas passagens de tempo mal elaboradas, contextos mal explicados, resoluções inverossímeis e inserção de novos personagens sem a adequada preparação para tal.

Por outro lado, se falha no desenvolvimento de personagens e na construção e exploração de seu universo ficcional, o diretor mostra-se seguro na condução de seu primeiro longa. O que é no mínimo curioso, uma vez que a especialidade do norte-americano são justamente os roteiros. Filmando com elegância, Goldsman não hesita em criar rimas visuais que dão coesão à narrativa, como os planos plongée que enquadram determinados momentos dramáticos de maneira coerente ao longo de toda a película.

Tal mérito, entretanto, tem de ser dividido meio a meio com o diretor de fotografia Caleb Deschanel. A paleta dessaturada, permeada aqui e ali por tons de branco e azul, ilustra de maneira inteligente o ambiente onde se passa a história, criando uma bonita composição que dialoga perfeitamente com o tom fabulesco do enredo, totalmente de acordo, inclusive, com o próprio título original da obra: “The Winter’s Tale” (O Conto de Inverno, em tradução livre). A trilha do mestre Hans Zimmer e de Rupert Gregson-Williams também reforça essa ideia, ainda que de forma mais discreta, mas não menos eficiente.

Tendo seu foco narrativo centrado nas cenas que envolvem Farell e Crowe, em interpretações corretas, que não comprometem o resultado final, mas também não chamam muita atenção, o longa conta com a participação especial de outros dois nomes que elevam consideravelmente o nível artístico do espetáculo, ainda que um desses personagens seja um tanto quanto bizarro e desnecessário. A impressão que fica, nesse caso, é a de que este foi criado somente para dar estofo e grife a um elenco apenas mediano. Na medida em que tais nomes não constam no cast principal, não seria adequado estragar uma eventual surpresa.

Quase como se soubesse das próprias falhas e da necessidade do “algo a mais”, a narração presente no início e no final da película expõe de maneira excessivamente didática os valores e objetivos implícitos dos realizadores, que não conseguem transmiti-los de forma orgânica e fluida dentro da própria trama. Valendo apenas pela boa direção do estreante Akiva Goldsman e por um ou outro aspecto técnico mais interessante, é plausível colocar que, com mais erros do que acertos, “Um Conto do Destino” não convence, tornando inevitável certo sentimento de decepção.

Arthur Grieser
@arthurgrieserl

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