Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A Imagem que Falta (2013): um retrato sobre a perda da individualidade

Melancólico, doloroso e visualmente poético, este documentário de Rithy Pahn tem o cineasta a contar sua própria história, exorcizando demônios que precisam ser conhecidos pelo mundo.

328505.jpg-c_271_400_x-f_jpg-q_x-xxyxxEm dado ponto deste “A Imagem que Falta”, após relatar uma passagem especialmente desesperadora de sua aterradora história, o narrador fala diretamente para o público. “Eu não quero mais essa imagem, então a passo para vocês“. Isso resume muito bem todas as intenções do cineasta com o filme. O longa de Rithy Pahn, uma coprodução França/Camboja falada em francês, é um relato em primeira pessoa das atrocidades cometidas pelo regime do Khmer Vermelho, liderado pelo paranoico Pol Pot, a partir da tomada da capital, Phnom Pehn.

Mas não espere que este documentário trate das idiossincrasias políticas por trás da revolução do proletariado instituída ali. Panh torna a narrativa pessoal e se aprofunda nas consequências deste evento para o povo, contando sua própria história e sua transformação de feliz criança de classe média em apenas mais um número sem rosto em meio às vítimas do verdadeiro genocídio perpetrado por Pol Pot.

A fita tem início com uma onda atacando a quarta parede. Inescapável, tal como a onda vermelha que destruiu milhões de vidas e causou irreparáveis danos à cultura e ao desenvolvimento do Camboja. O narrador é levado de sua cidade para um campo de trabalhos forçados, destituído de seu nome, roupas e individualidade. Agora, ele é apenas mais um membro da força de trabalho coletiva da Kampuchea Democrática, um instrumento e prova do poder da Angkar. A partir daí, sua vida se torna uma sucessão de mortes e privações, com o jovem se agarrando apenas à memória do “antes” para manter sua sanidade.

A falta de imagens daquele período fez com que Panh lançasse mão de recursos visuais inusitados, mas que provocam um grande efeito junto ao público. Boa parte da história é contada por figuras de barro esculpidas e pintadas à mão, de maneira artesanal. É por meio da expressão artística que a arte se rebela contra aqueles que a inibiram por tanto tempo. Ademais, o contraste das patéticas propagandas do Angkar com o calor das imagens do “antes” ressalta o sentimento nostálgico que Panh quer expor.

O momento em que o narrador declara seu descontentamento com os intelectuais de esquerda da época por admirarem a “utopia agrária” de Pol Pot, desconhecendo a realidade do que estava realmente acontecendo, é um dos raros pontos nos quais o filme se permite um comentário político, mesmo que com uma leve amargura própria.

A montagem do longa, por vezes, não segue um curso cronológico exato, ancorada de maneira orgânica nas memórias do cineasta. É o melhor. Considerando a natureza íntima e imensa de sua dor, é realmente mais apropriado que ele nos conduza por ela, especialmente sendo um caminho tão melancólico e cheio de significados. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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