Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Sangue Ruim (1986): o DNA dos apaixonados

Leos Carax usa a estrutura narrativa de um filme de assalto para mostrar o verdadeiro poder do amor.

Sangue RuimO amor é um sentimento misterioso que o ser humano busca encontrar seu segredo. Um sentimento que muda completamente nosso comportamento e pode dar uma nova perspectiva de vida. Como tudo tem outro lado, o amor não correspondido é responsável por muito sofrimento e depende do apaixonado sofrer em silêncio ou lutar por ele. E é essa luta que Leos Carax (“Holy Motors”) mostra em “Sangue Ruim”.

Escrito pelo próprio Carax e lançado originalmente em 1986, o filme conta a história do jovem Alex (Denis Lavant) que, com o objetivo de recomeçar na vida, aceita trabalhar com Marc (Michel Piccoli) em um grande assalto. O plano consiste em roubar uma vacina que combate uma forte epidemia chamada STBO, causada por um vírus que afeta as pessoas que fazem sexo sem compromisso, sem nenhum tipo de amor envolvido.

Alex, mesmo sendo amado por sua namorada Lise (Julie Delpy), foge de qualquer comprometimento. Contudo, para deixar tudo para trás, precisa se comprometer com a antiga equipe de seu pai, que sempre foi uma figura ausente na criação. É interessante como o personagem tenta se manter indiferente e distante dos outros, mas ainda mantém alguma relação com o pai por meio da velha arma e lembrando das histórias contadas por ele.

Tudo começa a mudar quando ele conhece a bela Anna (Juliette Binoche), mulher do líder Marc, e finalmente sabe o que é estar apaixonado. Finalmente entende por que este sentimento faz as pessoas pularem de motos em velocidade ou beber sangue humano, segundo as confissões dos personagens. Deste modo, começa uma luta para conquistar a moça, colocando em risco toda a operação. Reparem que Alex, quando sozinho, luta como um verdadeiro boxeador, não pretendendo ser levado ao chão e perder o amor de Anna.

Na relação entre os dois, Carax entrega os melhores diálogos deste roteiro afiado, como pode ser visto na longa sequência que Alex se declara para Anna e eles têm uma disputa de sentimentos contraditórios. Nesta parte, Alex corre pelas calçadas de Paris ao som de “Modern Love”, de David Bowie, em uma empolgante e linda cena que revela o conflito interno do personagem. O diretor também está inspirado atrás da câmera, abusando de closes para que ninguém perca algum gesto dos personagens, já que o olhar pode dizer muito mais sobre si mesmo do que palavras vazias. Seguindo esta ideia, não é a toa que Alex não precisa nem abrir a boca para expor seus pensamentos.

Aproveitando o gancho, o som do filme é bastante diegético, deixando pouco espaço para inserção de músicas. Admirável como é usado para criar tensão entre os personagens ou ligar uma cena na outra. Trabalho que casa bem com o do editor Nelly Quettier, que opta por usar bastantes cortes bruscos, conseguindo despertar o interesse do público para a próxima a cena, e ditar um ritmo que vai do acelerado para o calmo num passar de segundos.

As cores tem uma importância fundamental e a fotografia de Jean-Yves Escoffier não decepciona. Os cenários são escuros e pálidos, fortalecendo a obscuridade das ações daqueles personagens e a fragilidades deles ao tentarem esconder seus medos. Com esta escolha de iluminação, o vermelho predomina as cenas: a casa de Marc, os lábios e a cama de Anna, a vacina contra a doença, o sangue de Alex, dependendo da situação, simboliza o desejo ou a violência. E é incrível perceber como até o roupão azul de Anna significa a fidelidade que tem por Marc em uma passagem em que Alex tenta de várias formas conquistar o coração dela.

Assim, Leos Carax nos mostra em “Sangue Ruim”, a importância de se entregar ao amor, não importando as consequências que este ato traz. Em um belo discurso de Alex, vemos como a vida pode ser efêmera. Cada segundo que estamos vivos conta para fazermos algo que realmente importa e, quando menos esperamos, podemos morrer sem ter realizado nossos principais sonhos. E como a doença que mata as pessoas que não amam, a vida vale muito mais a pena quando você se sente livre para amar.

Guilherme Augusto
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