Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Jovem e Bela (2013): ensaio marcante sobre a sexualidade feminina

Novo trabalho do cineasta francês François Ozon traz uma narrativa segura e não se intimida ao desafiar os espectadores.

jovem1Fascinado pela alma feminina (mais até do que Pedro Almodóvar), o cineasta francês François Ozon criou um estudo de personagem no mínimo interessante. Ao acompanhar a jornada de uma garota em quatro estações, sem julgar ou tentar esclarecer, Ozon contempla a adolescência, fase em que identidade, sexualidade e sedução parecem convergir para um complexo emaranhado que exige algum distanciamento a fim de ser, possivelmente, destrinchado.

Apropriadamente livre de abordagens psicológicas ou sociológicas, que destoariam da proposta, o roteiro do próprio Ozon acompanha durante um ano a vida de Isabelle. Completando 17 anos concomitantemente com a perda de sua virgindade, a jovem decide se tornar prostituta de luxo. Embora jamais deixe claro os reais motivos que levaram a moça a tomar esta atitude, Isabelle não é pobre e não há nenhuma insinuação de que teria sofrido algum tipo de abuso.

Diferente de muitas estudantes da sua idade, que decidem se prostituir para pagar os estudos, Isabelle o faz quase que por tédio, em uma curiosa vontade de desvendar a si mesma. Tal instinto fica claro na cena em que tem sua primeira relação sexual com um gentil garoto alemão, na qual os realizadores inteligentemente trazem-na observando a si própria.

Mantendo uma relação bastante próxima ao irmão mais novo, ao mesmo tempo em que guarda um frio distanciamento da mãe e do padrasto, Isabelle não tarda a obter diversos encontros com homens mais velhos de todos os gostos e estilos. Repleto de cenas de sexo elegantes e poéticas, o longa deixa claro sua tese de que prostituição seria um caminho de provocação, de descoberta da própria sexualidade e, principalmente, de curiosidade.

Encadeado de maneira óbvia, mas não menos eficiente, o roteiro aposta em subdivisões que podem soar convencionais demais, porém são capazes de revelar a constância de uma obra que alterna entre bons e maus momentos. É natural, contudo, que nem todos os personagens consigam ser bem desenvolvidos, já que não há muito espaço ali para algo que não seja a curiosidade juvenil e a prostituição como fantasia. Quase tão acadêmica quanto o roteiro é a direção, que faz uma utilização abusiva de zoom-ins substituídos por travellings frontais sem que isso tenha nada a acrescentar à sintaxe narrativa do filme. Dessa forma, o roteiro e a direção entram em contradição, já que o primeiro quer se mostrar distante e a segunda utiliza todos os artifícios possíveis para dar a sensação de proximidade.

A protagonista é interpretada pela ex-modelo Marine Vacth com uma segurança admirável. A atriz novata se sai bem na difícil missão de compor uma figura que desperte nosso interesse ao mesmo tempo que se mantém insondável. O contraste entre a dureza de seus olhos e a vulnerabilidade de seu semblante é algo que somente grandes atores são capazes de esboçar. Assim, nós nos juntamos à Isabelle em sua busca incessante pela descoberta de suas próprias reações e ficamos felizes com ela ao constatar o poder que consegue exercer sobre os homens.

A trilha sonora é discreta, mas incrivelmente funcional. Pontuada aqui e ali por canções românticas da cantora francesa Françoise Hardy, o que vemos é um epíteto dos questionamentos existenciais de Isabelle. O bom momento criativo e a segurança narrativa de Ozon também podem ser atestados pela inclusão diegética de um poema belíssimo e revelador.

Flertando ligeiramente com A Bela da Tarde” (1967), “Jovem e Bela” consegue ser ainda mais sutil e autoconfiante, já que não utiliza a prostituição para criticar o machismo ou simplesmente para quebrar tabus relacionados à sexualidade feminina. Sem dar absolutamente nenhuma resposta, somos compelidos a analisar nós mesmos as situações ali apresentadas. Longe de ser tão bom quanto o filme anterior do cineasta (“Dentro da Casa”), o projeto é mais um acerto de um diretor que ainda não nos deu motivos reais para desapontamentos.

Bernardo Argollo
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