Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Spring Breakers – Garotas Perigosas (2012): longa ousado surpreende

Com fotografia impecável, longa polêmico de Harmony Korine não está longe de se tornar cult.

poster2Mais do que um projeto ousado feito sob medida para mostrar que princesas Disney já não são tão princesas assim, este “Spring Breakers” é uma agradável surpresa, trazendo uma estética que, se não original, serve muito bem aos propósitos da narrativa. Iniciado com longos planos em câmera lenta que, em meio a uma trilha pulsante e uma fotografia devidamente saturada, o longa situa o espectador no local onde se desenrolará toda a libertinagem que constitui a famosa semana onde vale tudo para os estudantes americanos.

O roteiro acompanha a jornada de quatro garotas, vividas por Selena Gomez, Vanessa Hudgens, Rachel Korine e Ashley Benson. Por não possuírem recursos financeiros para ir ao Spring Break, as meninas resolvem assaltar uma lanchonete para angariar fundos, em um criativo plano-sequência. Tendo seu projeto bem sucedido, elas embarcam para uma jornada de sexo, drogas e criminalidade.

A fotografia de Benoît Debie nunca é gratuita, investindo sempre em pistas visuais sobre aquilo que acontecerá a seguir. Na sala de aula vista no início da projeção, apropriadamente mergulhada em sombras, vemos os tons neon/cítricos que remetem ao Spring Break. Acertando ao compor a faculdade como um ambiente onde o cinza drenou todas as cores (algo que se repetirá na prisão, após a festa), Debie ressalta ainda mais a fascinação que a comemoração desregrada exerce nas jovens, que os realizadores infantilizam por meio de detalhes sutis como as bolsas em formato de ursos de pelúcia e falas ingênuas (“é a nossa chance de ver algo diferente”).

O longa ainda encontra tempo para criar metáforas inesperadas, como na cena em que as garotas se banham em uma fonte, em uma tentativa patética de purificação para entrar de corpo e alma na comemoração, ao mesmo tempo em que fortes luzes vermelhas denunciam o perigo e a culpa inerente às suas atividades, em um momento que flerta divertidamente com a lógica visual de “Os Bons Companheiros”.

Tomando o cuidado de não julgar as atitudes de suas personagens, o diretor Harmony Korine conduz a narrativa com segurança, usando imagens semelhantes a gravações de arquivo no segundo ato, contrapondo-se inteligentemente ao ar intimista do primeiro que, com a câmera sempre próxima ao rosto das moças, ilustra organicamente o quanto o entorno as sufoca. Ao desenho de desenho de som  cabe a função de contribuir para estabelecer ideias sem recorrer a diálogos.

Donas de uma ingenuidade irritante e diretamente proporcional à disposição em transgredir, as garotas acabam detidas e são “resgatadas” pelo mafioso Alien, em ótima performance de James Franco. A partir de então, os realizadores são hábeis ao retratar o desconforto crescente de Faith (Gomez) a partir da mise-en-scène e de sua posição progressivamente à esquerda e abaixo do centro nos quadros.

Não caindo no erro comum de justificar ou relativizar as atividades ilegais de Alien, o roteiro e a atuação de Franco o transformam em nada menos que um personagem perigoso, assustador e absolutamente frágil. Dono de uma sensibilidade que ninguém esperaria de uma figura como ele, o gangster/rapper/traficante faz referência ao icônico “Scarface” com a mesma facilidade com que, em uma cena belíssima (e sem medo de ser brega), canta a música “Everytime”, de Britney Spears. Esse momento representa o amadurecimento no mundo do crime por parte de Brit (Benson), Candy (Hudgens) e Cotty (Korine), rimando perfeitamente com a cena em que outra música da mesma artista é cantada, a boba “Baby One More Time”.

Não que o longa não tenha sua parcela de problema. Algumas situações são difíceis de aceitar, soando  inverossímeis, mesmo naquele universo totalmente deturpado. O roteiro jamais se preocupa em esclarecer, por exemplo, o real motivo de Alien ter pagado a fiança das garotas, sendo que nunca as tinha visto antes (e outras inúmeras garotas estavam na mesma situação). Mas tudo isso empalidece, por exemplo, diante da mansão banhada por luzes roxas (morte) vista no terceiro ato.

Bernardo Argollo
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