Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Trapaça (2013): novo longa de David O. Russell é bom, mas nem tanto

Elenco poderoso sustenta filme cheio de altos e baixos.

TrapaçaDesde “O Vencedor”, o diretor David O. Russell tem se tornado um dos queridinhos da Academia de Hollywood. De lá pra cá, ele acumulou nada menos que três indicações ao Oscar de Melhor Filme e Diretor, além de mais de uma dezena de indicações (e três prêmios) aos atores que comandou. Tudo isso são dados, estatísticas. O difícil é compreender o que a Academia, que despreza nomes do peso como Paul Greengrass, Christopher Nolan e Paul Thomas Anderson, vê de tão especial no produtor, diretor e roteirista de 55 anos. Sua nova empreitada é “Trapaça, escrita em parceria com Eric Warren Singer e baseada em uma história real.

O filme conta a história de uma investigação do FBI no ano de 1978, quando o ambicioso detetive Richie DiMaso (Bradley Cooper), mesmo a contra gosto de Stoddard Thorsen (Louis C. K.), seu superior, passa a chantagear os falsários Irving Rosenfeld (Christian Bale) e Edith Greensly (Amy Adams) para tomarem parte de um plano para prender o prefeito de New Jersey, Carmine Polito (Jeremy Renner). Porém, as coisas começam a se complicar quando a verdadeira esposa de Irving, Rosalyn Rosenfeld (Jennifer Lawrence), é introduzia em uma parte do plano.

Ao fazer uso de uma montagem repleta de flashbacks, o diretor nos apresenta todos os pontos de vista dos envolvidos em cada ação. Apesar de ajudar na compreensão do que se passa em tela, tal artifício prejudica a criação de uma atmosfera de suspense. O único momento em que realmente há tensão é no encontro do Sheik (Michael Peña) e o mafioso Victor Tellegio (Robert De Niro, em uma participação não creditada).

Já o roteiro, apesar de expositivo em boa parte da trama, tem bons momentos, como algumas reviravoltas nos planos da equipe, a inteligência de Irving em resolver problemas e a revelação de importantes segredos dos personagens. Além disso, os personagens são bem desenvolvidos, criando forte ligação e empatia com o público, especialmente o casal Rosenfeld.

Esse desenvolvimento fica visível no trabalho dos atores. Christian Bale interpreta Irving como um homem astuto, consciente de seu tamanho e atribuições, além de vaidoso, esquentado e em dúvida entre suas mulheres.  Além disso, o brilho de sua atuação está nas nuances, como a cautela em constantemente ajeitar sua constrangedora peruca, os olhares ciumentos que dispara contra suas amadas e sua verdadeira preocupação em perder o controle das situações. O momento em que é confrontado por Rosalyn é mais um ponto alto em sua carreira virtuosa.

Jennifer Lawrence executa bem o papel de mãe de família, que aceita as escapadas do marido, desde que este continue voltando para casa. A velocidade com que fala e a dificuldade que tem em resolver pequenos problemas, ou mesmo de se concentrar em pequenas tarefas, são detalhes marcantes em sua interpretação. Já Bradley Cooper demonstra talento como o ambicioso agente federal, sempre em busca de um passo maior em sua carreira, mesmo em situações arriscadas. O modo como reage em um jantar em família ajuda a compor um personagem complexo, que utiliza o trabalho como uma válvula de escape para sua vida frustrante.

Fechando o elenco principal, Amy Adams surge como a peça central das relações pessoais. Sua sensualidade, reforçada pelas roupas ousadas, se torna uma arma importante nos planos da dupla de falsários. Além disso, a atriz consegue equilibrar fragilidade, dependência e frustração com excelência, como visto, por exemplo, no confronto decisivo com Richie.

Se em termos de interpretação o filme é ótimo, tecnicamente, é inconstante. A recriação de época é eficiente, especialmente quanto à direção de arte, em perfeita consonância com a fotografia, além dos figurinos e constrangedores penteados do fim da década de 70. No entanto, o trabalho de montagem deixa a fita monocórdica, sem ritmo, sempre na mesma toada. Em contraponto, a escolha das canções que recheiam o longa é precisa e tocante, indo de Elton John (a sequência de “Goodbye Yellow Brick Road” é excelente) a Duke Ellington.

Apesar de problemático, “Trapaçaé uma obra interessante, especialmente pelo excelente desempenho dos atores. No entanto, pouco do que foi visto justifica a enorme quantidade de indicações e premiações que colecionou ao longo da temporada.

David Arrais
@davidarrais

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