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Críticas   segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Alabama Monroe (2012): sobre amor, suas dores e felicidades

Longa belga indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro exibe um romance aparentemente atípico, mas que, aos poucos, revela-se tão apaixonante quanto qualquer outro.

Alabama MonroeEles têm os dentes tortos. Ela, em especial, possui o corpo coberto por tatuagens. Ele carrega uma enorme e mal cuidada barba e já deixou a juventude há tempos. Enfim, não enquadram-se no padrão de beleza para romances de cinema. Mas é o amor deles, de Elise e Didier, que nos é contado em “Alabama Monroe”, longa belga de 2012 que agora chega às telonas impulsionado pela indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Atípico em sua embalagem, mas extremamente comum em sua essência, produção conquista pela pureza de sua mensagem, também transmitida por meio de música, muita música.

Porque é isso que eles fazem: tocam e cantam. Elise (Veerle Baetens) chegou depois, depois de iniciar uma relação com Didier (Johan Heldenbergh), o outro vocalista da banda. Porque entre canções de bluegrass tocantes, eles se querem muito, mesmo cientes de suas diferenças. A pequena Maybelle (Nell Cattrysse) é o principal fruto dessa paixão, e é o seu câncer que vai colocar à prova não só o amor que seu pai sente por sua mãe, como a vontade de viver de cada um deles, abalados pela possibilidade de perder seu bem mais precioso.

Maybelle, porém, não foi programada. Veio acidentalmente em algumas das transas ardentes do casal de protagonistas, refletindo bem a forma como levam seus dias. Independentes, eles são descritos pelo roteiro do próprio Heldenbergh e de Mieke Dobbels, adaptado de peça teatral, como aventureiros e de poucos compromissos profissionais. Mas se Didier é um homem do campo, o que reverbera em sua música, Elise vem da cidade, onde tatua os outros e se tatua. Para ficar ao lado do companheiro do momento, ela precisa se adaptar, dando início a uma união de estranha aparência.

No entanto, a estranheza está nos olhos de quem vê, porque não há nada de realmente diferente na relação do casal, sendo esse um dos grandes acertos do roteiro. Estamos diante de um casamento como qualquer outro, talvez com um pouco menos de preconceito e falso moralismo, possibilitando uma cerimônia de união nem tão formal assim e uma dancinha em pleno hospital no dia do nascimento da filha. Carinho, porém, não falta, assim como discussões por razões estúpidas. Mas é ao ver as dores diante do sofrimento da filha que nos identificamos de imediato com esses personagens, ainda que eles não se vistam nem ajam como você.

Em um filme que não prefere escolher gênero, o diretor Felix Van Groeningen exibe drama, comédia, musical, tudo ao mesmo tempo, deixando-se levar pela vida de Elise e Didier, fazendo uma espécie de pout-pourri envolvente. O cineasta primeiramente parece querer nos levar para uma emotividade de uma trama que traz, em seu centro, uma criança com câncer. Mas logo revela-se nem tão espertinho assim, afastando-se de uma sensibilidade barata, dispensando a trilha sonora nesses momentos e preservando, com ótimas estratégias de montagem, o espectador dos momentos de maior sofrimento.

“Alabama Monroe”, por sinal, tem como uma de suas grandes marcas a sua edição. Iniciado com apenas duas linhas narrativas, que logo se chocam, o longa vai e volta no tempo em uma não-linearidade recorrente, mas bem realizada, contribuindo para uma embalagem ainda mais especial. A cada corte ou sequência existe uma possível diferença de anos ou meses, identificável pela intensidade do drama (cada vez maior com o passar do tempo) ou pelos rostos dos atores (cada vez menos atraentes), formando um quebra-cabeça prazeroso de montar.

O desgaste perceptível de Veerle Baetens e Johan Heldenbergh é mais uma constatação de trabalhos interpretativos poderosos que são a alma do filme, realçados por uma bela fotografia, tão vívida quanto seus personagens. E se o roteiro escorrega em uma contextualização deslocada e julgadora, há muito o que apreciar nas sequências musicais da trama. Donas de uma poesia pura, as canções fazem a mensagem do filme soar ainda mais única em sua simplicidade.

Darlano Didimo
@rapadura

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