Cinema com Rapadura

Críticas   terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Ajuste de Contas (2014): Rocky Balboa Vs Jake LaMotta?

Longa reúne intérpretes dos dois maiores boxeadores da história do cinema, resgata algumas imagens, recoloca-os no ringue e conta uma história coerente e cheia de humor sobre uma grandiosa rivalidade.

Ajuste de ContasNão é que as loucuras de Hollywood funcionam eventualmente? Colocar Sylvester Stallone e Robert De Niro, intérpretes dos dois maiores boxeadores da história do cinema, frente a frente no ringue, quando um deles já é um setentão e o outro beira a mesma faixa etária, não pode ser considerada, pelo menos, uma manobra segura. Mas em “Ajuste de Contas” esse encontro inusitado acontece. E entre socos, sangue e dores, muitas dores, o que temos é uma história bem contada que conquista pelo enorme carisma do elenco e por um bom humor transbordante.

Estamos diante de uma grande e bem sucedida brincadeira que não hesita em fazer uso de imagens de “Rocky – Um Lutador” e “Touro Indomável” para dar credibilidade à trama, especialmente na didática abertura, que faz questão de enquadrar a rivalidade entre as maiores do esporte americano. Mas eles não atendem pelos nomes de Rocky Balboa e Jake LaMotta. São Henry ‘Razor’ Sharp (Stallone) e Billy ‘The Kid’ McDonnen (De Niro), dois “senhores” que ainda são os maiores inimigos um do outro. A oportunidade de se confrontarem pela terceira e última vez chega tardiamente, mas eles não a desperdiçam.

Muitos fatores extra-ringue, porém, são incluídos pelo roteiro de Tim Kelleher e Rodney Rothman, contribuindo para esse reencontro histórico. Preocupado com seus personagens, os roteiristas deixam claras as necessidades financeiras e, principalmente, de autoafirmação de cada um. Até mesmo um clichê, mas bem trabalhado, interesse amoroso/sexual em comum existe entre eles, possibilitando ainda mais o enlace das duas linhas narrativas, trabalhadas com a atenção e o cuidado que merecem.

Razor adiciona a doçura de um brutamontes, ainda apaixonado pelo amor que perdeu para o adversário décadas atrás e amigo dedicado do homem que o treinou durante toda a sua vida. Até artista amador ele virou. Por outro lado, Kid vem com a curtição de um dono de restaurante com poucos pudores, que eventualmente esbarra com o filho e o neto que nunca conheceu. Os rapazes, por sinal, fazem com que o personagem de De Niro torne-se um pouco mais verossímil e não apenas um alívio cômico como encaminhava-se para ser, vide as inúmeras piadas em seus diálogos.

Com calma em seu desenvolvimento, o diretor Peter Segal permite que todas essas relações aconteçam sem qualquer atropelo, diminuindo a expectativa para o esperado embate final, fazendo-nos curtir a preparação mais do que o evento em si, porque a previsibilidade dele incomoda demais. Ainda que bem orquestrado por Segal, a luta acaba esbarrando no clichê inevitável  de um filme “feel good”, embora os esforços físicos de Stallone e, principalmente, de De Niro devam se exaltados. Eles realmente não perderam o jeito da coisa e continuam a abrir com facilidade o supercílio adversário.

No quesito atuação, eles também não decepcionam. Complementam-se com louvor. Se Stallone é mais exigido emotivamente, De Niro vem com o humor, característica principal de “Ajuste de Contas”. Ao lado dele, o Lightning de Alan Arkin, técnico de Razor, e o Dante Slate de Kevin Hart, agente do confronto, contribuem com tempos de comédia precisos, sempre prontos para fazer-nos rir com suas línguas grandes e a falta de vergonha. Já Kim Basinger, a moça antes disputada pela dupla principal, adiciona a delicadeza necessária à trama.

Mas, como já ressaltado, estamos diante de uma grande brincadeira que sabe como ironizar a mudança dos tempos, em que é preciso um mico e um celular para tornar-se famoso, e não apenas talento. Há espaço até mesmo para satirizar o MMA, contando com participação especial de Chael Sonnen, mais uma vez fazendo graça de si mesmo. Porque o boxe pode não estar mais em evidência no mundo dos esportes, mas parece ainda não ter se cansado de contribuir com bons exemplares para os cinemas.

P.S.: Cenas durante os créditos finais, com direito a participações especialíssimas, reforçam a diversão que é o filme.

Darlano Didimo
@rapadura

Compartilhe