Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Álbum de Família (2013): um denso desfile de mulheres fortes

Meryl Streep, como sempre, espetacular.

Album de Familia2013 foi um ano marcado no cinema por demonstrar a força feminina de diversas formas. Em quase todos os gêneros vimos mulheres em papéis de destaque. Para concluir o ano, chega aos cinemas “Álbum de Família”, o segundo trabalho do diretor John Wells, com roteiro de Tracy Letts, a partir de uma peça de sua autoria.

O filme conta a história da família de Violet Weston (Meryl Streep), que ficou viúva depois que Beverly (Sam Shepard) morre afogado durante uma pescaria. Por conta disso, toda a família se reúne para o funeral: Barbara (Julia Roberts), a filha mais velha, que coincidentemente estava visitando os pais, com o marido Bill (Ewan McGregor) e Jean (Abigail Breslin), sua filha única, Ivy (Julianne Nicholson), a filha do meio e a filha mais nova Karen (Juliette Lewis), com o noivo Steve (Dermont Mulroney). Além das filhas, Violet recebe também o apoio da família da irmã Mattie Fae (Margo Martindale), do cunhado Charles (Chris Cooper) e do sobrinho Little Charles (Benedict Cumberbatch).

Entretanto, o que deveria ser um momento de união e apoio mútuo, se torna um pesadelo. Durante o jantar, Violet se mostra uma pessoa cruel, rancorosa e controladora, despejando seu veneno contra cada membro da família. Com isso, todas as máscaras de bom convívio caem, uma a uma, em um borbulhante caldeirão de mágoas. Esse jantar funciona para mostrar a força das mulheres da família, em uma escala etária bem definida. Se Violet tem o poder de humilhar todos que estão abaixo ela, a jovem Jean é vítima de todos durante a refeição por conta de seu hábito alimentar.

Em outro momento, fica claro como os homens da família sempre se curvaram àquelas mulheres, como quando Charles tenta fazer as preces antes de começarem a comer e se perde completamente nas palavras. E Little Charles, um homem que já deveria ter atingido a maturidade, tem que segurar o choro sempre que sofre os abusos verbais, em público, da mãe.

Paradoxalmente, aí estão as virtudes e os problemas do longa. Ainda que o roteiro desenvolva todos os personagens, com características pessoais marcantes, ele ultrapassa o limite do melodrama e do clichê em vários momentos. Se o abuso de medicamentos de Violet e a forma quase violenta com que Mattie Fae trata o filho conferem carga dramática à trama, os romances das três filhas é previsível, bem como o “grande segredo” da família, com contornos novelescos.

Já no campo das atuações, quase não há problemas. Mesmo personagens com pouco tempo de tela têm a chance de demonstrar todo o seu talento, como os interpretados por Benedict Cumberbatch, Dermot Mulroney e Abigail Breslin, com exceção feita apenas a Ewan McGregor. Chris Cooper, quando finalmente resolve confrontar a esposa, ilustra bem a mistura de sentimentos de Charles. É palpável em sua voz todo o medo e a raiva contidos em cada palavra. Margo Martindale confere a força e a profundidade necessárias a Mattie Fae, além da subserviência constante à irmã mais velha.

Julianne Nicholson faz o que pode com as limitações dimensionais impostas pelo script, que fazem com que Ivy seja monocórdica e repetitiva. Julliete Lewis constrói bem sua personagem. É curiosa a forma como ela se destaca das outras mulheres da família, exatamente por não conseguir exercer a mesma força sobre Steve, aceitando até mesmo alguns absurdos que ele comete.

Julia Roberts nem de longe lembra aquela atriz que ficou famosa à custa de comédias românticas, a começar pelas raízes grisalhas que surgem no cabelo, mal cuidado, de Barbara. Seu talento fica à mostra na sequência em que discute o afastamento de seu marido, em uma sequência sem cortes. E ela consegue confrontar Meryl Streep, como na pesada briga depois do jantar, em pé de igualdade.

Streep surge como uma força da natureza, em uma atuação superlativa desde a primeira cena, com os exagerados devaneios causados pelos medicamentos. Ou em pequenas nuances, como um sutil movimento que faz no maxilar, por conta das dores que sente em decorrência de sua doença, ela demonstra os motivos de ser uma das atrizes mais premiadas de Hollywood.

A fotografia, em ótima consonância com a direção de arte, denuncia como o clima pesado na família é constante, reforçado pelo ambiente sufocante da casa dos Weston, com cômodos escuros e portas constantemente fechadas. O contraste com o ambiente exterior fica claro em poucos momentos, como na bela cena em que Violet corre em uma área descampada.

John Wells conduz a história com segurança, com várias cenas poderosas, especialmente aquelas que envolvem os violentos embates verbais entre mulheres tão fortes. Diante disso, é quase lamentável que o diretor não consiga fugir de algumas convenções tão batidas, tornando o terceiro ato enfadonho, cansativo e repetitivo.

David Arrais
@davidarrais

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