Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 08 de dezembro de 2013

Azul é a Cor Mais Quente (2013): o amadurecimento retratado em um romance

Adaptação cinematográfica de graphic novel francesa sobre as descobertas do amor e o crescimento de uma jovem é extremamente bem sucedida em seus ímpetos dramáticos, apesar de certos excessos gráficos.

Azul-é-a-Cor-Mais-QuenteSão compreensíveis os motivos pelos quais a quadrinista Julie Maroh não ficou muito enamorada com adaptação do seu romance “Azul é a Cor Mais Quente”. Enquanto a graphic novel possui um tom doce, a película de Abdellatif Kechich tem uma levada mais realista e crua, muito distante da filosofia que vemos nos traços e palavras de Maroh.

Apesar das duas obras contarem basicamente a mesma história, com diversos pontos de interseção entre o filme e o original, existem momentos de ruptura imensos, algo que deve ter desagradado a autora, mas que é extremamente comum em adaptações.

Se Kechiche e sua corroteirista Ghalia Lacroix optaram por esta visão, não podiam ter escolhido protagonista melhor. A pouco conhecida Adèle Exarchopoulos tornou mais que o nome da protagonista seu, ela levou o filme consigo, na jornada de autodescoberta de sua personagem homônima.

Como já denuncia o título original desta versão cinematográfica, “La Vie d’Adèle”, o lirismo da HQ foi deixado de lado para contar, da maneira mais próxima possível, o amadurecimento sexual e emocional da Adèle fictícia, levando o público para dentro de seus sentimentos e emoções mais íntimas durante os períodos mais turbulentos da vida dela.

A trama é focada nas mudanças no mundo da jovem quando ela conhece Emma (Léa Seydoux), uma moça um pouco mais velha com cabelos azuis que a ajuda a descobrir seus próprios desejos, a se descobrir como mulher e se tornar uma adulta, se encontrando, se perdendo e cometendo todos os erros que fazem parte deste doloroso processo chamado crescimento.

Quando conhecemos a protagonista, ela ainda não sabia quem era, e suas reações com relação aos outros se reduziam a mimetizar o que aqueles ao seu redor faziam, fingindo adotar os comportamentos que eram esperados dela pela sociedade (amigos, pais, etc.). Ao cruzar com Emma na rua, sem nem ao menos trocar uma palavra com ela, sua alma começa a gritar para sair, sendo a atração pela misteriosa bela o primeiro passo para Adèle se conhecer de verdade.

Após o primeiro vislumbre de Emma, o longa demorar para trazê-la de volta ao mundo da personagem central (e, consequentemente, à tela), abordando mais a fundo as consequências daquele encontro na protagonista, e ficamos a esperar junto dela pelo reencontro das duas.

É uma espera que se liga diretamente com a questão do determinismo do amor, questionamento que abre a própria fita. Aos poucos, a produção cede espaço para que conheçamos também a personalidade extrovertida e decidida de Emma, sua criação diferente e seus objetivos de vida, algo vital para a compreensão dos conflitos futuros da moça com Adèle.

Quase todos os quadros da fita possuem elementos em azul e, aos poucos, fica claro que a cor não simboliza Emma, mas sim os sentimentos e desejos da própria Adèle, algo que fica patente na segunda metade da película, quando o azul começa a desaparecer do mundo dela. Além disso, outra escolha magnífica de Abdellatif Kechiche e Sofian El Fani (responsável pela fotografia) é a preferência por primeiros planos, valorizando o trabalho de interpretação das atrizes.

Esse fator, aliado à decisão de Kechiche de não ter a dupla central maquiada por boa parte da projeção, evita uma glamorização das atrizes e as coloca ao alcance da audiência. Sim, ambas continuam sendo lindas mulheres, mas estão longe daquele padrão impossível de beleza que geralmente é visto no cinema. Elas são moças normais, que passam por dores e alegrias comuns.

Este naturalismo visual é também uma consequência do trabalho cênico visto na tela. Passagens onde personagens dormem ou comem nunca pareceram tão reais, acrescentando até mesmo uma camada maior de voyeurismo à experiência cinematográfica.

Os diálogos e as ações de Adèle e Emma jamais soam forçados, com Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux encontrando os pontos certos para não transformarem suas personagens em caricaturas, mas em pessoas tão normais quanto qualquer outra.

Elas possuem uma química fortíssima uma com a outra, traduzindo as emoções em ebulição de uma Adèle ainda cheia de dúvidas sobre si e da sempre segura e inteligente Emma em poucos gestos e expressões. Os ataques de pânico de Adèle ao mentir ou a placidez e segurança de Emma em si mesma são provas disso.

O único ponto fraco do filme é, paradoxalmente, aquilo que mais chamou a atenção da imprensa para ele. As cenas de sexo entre as duas garotas são extremamente longas e elaboradas, rompendo com o tom naturalista apresentado no resto da projeção.

Mais que isso, o grafismo excessivo delas acaba por desviar o foco do espectador dos sentimentos lá envolvidos, o que tira um pouco da alma da película. São cenas plasticamente muito bonitas envolvendo moças igualmente belas, mas acabam sendo mais fetichistas que dramáticas.

O sexo é sim necessário para contar esta história e a sexualidade e os desejos de Adèle e Emma têm papéis importantíssimos no desenvolvimento da trama, mas a exploração visual das relações sexuais entre as personagens foi sim exacerbada e, mesmo que minimamente, eclipsa o encanto e da melancolia que é acompanhar Adèle aprendendo a viver.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe