Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 17 de novembro de 2013

Blue Jasmine (2013): Woody Allen e Cate Blanchett em parceria irresistível

Em mais uma comédia na carreira, cineasta vai a São Francisco e concede a Cate Blanchett uma de suas personagens femininas mais complexas.

SONY-JUOS-01_Onesheet_Layout 1Não foi por acaso que, ao receber o Oscar pela interpretação em “Vicky Cristina Barcelona”, Penélope Cruz tenha agradecido a Woody Allen por ter criado grandes papéis femininos ao longo de sua carreira. O cineasta realmente possui  uma relação muito intensa com as mulheres em seus filmes. É delas, usualmente, as personagens mais interessantes concebidas ano após ano pela genial mente de Allen. Mas fazia tempo que elas não recebiam tanta atenção como em “Blue Jasmine”. Aqui as mulheres não são apenas coadjuvantes cômicas ou trágicas, mas sim o centro do filme, a razão de sua existência. Uma, em especial, é dona de uma complexidade poucas vezes vista em trabalhos desse incansável nova-iorquino.

Também não por acaso, ela dá nome ao filme. Jasmine (Cate Blanchett) é dessas ricaças norte-americanas que vivem de ostentação, de aparências. Seu nome, por sinal, teve de ser modificado para adequar-se ao padrão da conta bancária que possui. Afinal, Jeanette é muito inapropriado. Mas tudo muda quando o dinheiro acaba. A falência e morte de seu marido Hal (Alec Baldwin) levam-na a mudar-se de Nova York para São Francisco, para a casa humilde da irmã Ginger (Sally Hawkins). A partir de então, ela passa a viver um outro padrão de vida, bem menos sofisticado, luxuoso e fácil como nos anos de “vaca gorda”.

Desde a primeira cena em que nos apresenta Jasmine, a mulher falida que não sabe porque ainda viaja de primeira classe, Woody Allen deixa clara a grande instabilidade psicológica que ela vive no momento. Até os mais velhos, ávidos por ouvir boas histórias, não suportam as suas, sobre quando conheceu o antigo marido ao som de “Blue Moon”, principalmente. Dando a ela constantes crises nervosas e neuróticas, como não poderia ser diferente, o diretor e roteirista vai concedendo-lhe camadas e camadas de verossimilhança, revelando seu interior, tão inocente quanto estúpido, tão invejoso quanto bondoso.

Ela é, basicamente, a contradição em pessoa. Mas não se engane. Jasmine é a peça principal de mais uma comédia de Allen, mesmo que com alguns toques a mais de seriedade. Dessa forma, ele transforma boa parte de suas neuroses e crises em motivos para gargalhadas. O choque de classes é a principal razão. Como é divertido vê-la tomar martínis à beira da Baía de São Francisco comparando com antigas experiências europeias. Também é divertido e interessante observar a tentativa de manter sua imagem de “perfeitinha” enquanto adapta-se ao convívio com pessoas menos abastadas. Pouco depois, porém, ela desmorona.

Jasmine não seria a mesma, no entanto, sem Cate Blanchett. Em interpretação intensa, a atriz australiana demonstra todo o seu transbordante talento ao provocar ojeriza e carisma no público ao mesmo tempo. Como amamos odiá-la. Mais bela do que nunca, ela encarna a personagem principal como uma bomba-relógio, prestes a desistir de tudo. Sua interação com Sally Hawkins, mais uma “estrangeira” (Hawkins é britânica) com ótimo desempenho, possui o distanciamento exato entre duas irmãs que nunca se gostaram. Mas é sua interação com a câmera de Allen, poucas vezes tão próxima de rostos, que nos comove e diverte simultaneamente.

Bobby Cannavale, Louis C. K. e Andrew Dice Clay complementam o elenco classe média com rara e proposital falta de charme, enquanto Alec Baldwin tem o seu tempo de comédia desperdiçado mais uma vez por Allen. O cineasta, aliás, liga os dois mundos pelas memórias da protagonista, transitando entre o luxo e a falta dele com boa naturalidade, aproveitando para acentuar a complexidade de Jasmine. A previsibilidade e a falta de graça do núcleo rico da história, estereotipado demais, porém, incomodam, assim como a ausência de coadjuvantes realmente engraçados.

São Francisco também é personagem importante de “Blue Jasmine”, seja por ter sua beleza exibida sem hesitação, seja por acolher o típico núcleo classe média americana de Woddy Allen com tanta naturalidade. É esse o cenário que o diretor escolhe para contar sua crônica atrasada, mas ainda bem-vinda sobre os efeitos da crise econômica. É também o cenário que ficará marcado por dar início (cruzemos os dedos!) a parceria Allen-Blanchett, que tem tudo para produzir os melhores frutos. E o primeiro deles já traz qualidades mais do que evidentes.

Darlano Didimo
@rapadura

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