Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Bons de Bico (2013): sem graça e sem sentido

Quando a coisa mais engraçada de um filme é uma homenagem a um dublador nacional, é sinal de que tem algo muito errado com essa produção...

Bons-de-Bico-cartazJá ouviram aquele ditado “Quem morre de véspera é peru”? Pois bem, esse curto batido dito popular é mais engraçado que os 90 dolorosos minutos de projeção de “Bons de Bico”, estreia da veterana companhia de efeitos especiais ReelFX no mundo das animações computadorizadas de longa-metragem.

Existe uma coisa que uma animação voltada para o público infantil não pode ser jamais, que é chata. Até fitas sem muito roteiro ou coração podem se tornar menos insuportáveis ao bombardearem os pequenos com movimento, luz e cores (vide o esquecível “Madagascar 3”).

No caso de “Bons de Bico”, inexiste bom humor, gags visuais ou qualquer coisa que atraia a atenção de quem quer que esteja na plateia. A produção já começa com o pé esquerdo junto ao público brasileiro por tratar do Dia de Ação de Graças estadunidense, que é o dia onde tradicionalmente se come peru por lá.

O roteiro de Scott Moiser e do diretor Jimmy Hayward (do péssimo “Jonah Hex”) tem como protagonista Reggie, um peru franzino e razoavelmente inteligente e mascote da filha do Presidente dos Estados Unidos. Ele acaba acidentalmente viajando no tempo para o primeiro dia de ação de graças ao lado do abobalhado e determinado peru Jake para impedir que os perus virem prato principal na ceia entre peregrinos e índios.

A premissa girar em torno de um feriado inexistente em nosso calendário (com a dublagem desastradamente tentando transformar Ação de Graças em Natal) é um fato que poderia ser contornado caso a animação apresentasse personagens carismáticos e situações interessantes, o que está longe de ser o caso.

Reggie e Jake não possuem qualquer química juntos, com os dois se mostrando criaturas irritantes por motivos diferentes. Os coadjuvantes na toca dos perus do passado possuem até algum charme, mas são pouco utilizados, tendo em vista o foco nos protagonistas. Mesmo o vilão caçador carece de motivações para seus trejeitos que beiram a psicose e pode até assustar alguns espectadores menores – mesmo que seus atos visem apenas alimentar uma aldeia faminta.

O plot da viagem no tempo é explorado sem qualquer coerência interna e de maneira desastrada, usado como um deus ex machina repetidas vezes. Nem mesmo a moral da história fica clara. Não se advoga pelo vegetarianismo, nem contra a crueldade contra os animais (afinal, anchovas também são animais).

Os roteiristas apenas pegaram animais que representam esse feriado específico e criaram uma “história” envolvendo eles, peregrinos e índios. Existe sim uma ideia insana de se ligar o massacre dos americanos nativos com os perus, algo que fica totalmente despropositado com a presença dos próprios índios na trama.

Na dublagem, a dupla de “Caras-de-Pau” Marcos Melhem e Leandro Hassum (este último já deveras habituado com animações) não compromete e é até deveras louvável o esforço da adaptação ao encaixar o lendário Orlando Drummond em um papel como “Seu Peru”, mas é algo que se sobressai ao próprio filme e que apenas os que conhecem o trabalho do veterano dublador e comediante vão reparar.

O visual dos personagens e do ambiente não é dos piores e a própria toca subterrânea dos perus, onde boa parte da história se desenrola, é deveras criativa. As set-pieces (cenas de ação mais longas e elaboradas) são excessivamente pesadas, com algumas referências a longas como “Avatar”, e parecem deslocadas em relação ao tom do resto da produção. O uso da tecnologia 3D tem até alguns momentos de brilho, mas nada que faça valer o ingresso mais caro.

“Bons de Bico” não possui um só elemento que o torne um bom entretenimento. Um trabalho apenas adequado na parte técnica não salvou este roteiro terrível de se transformar em uma péssima experiência cinematográfica para adultos e crianças. Passe longe.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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