Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Meu Passado me Condena (2013): longe de ser uma obra cinematográfica

Fábio Porchat é a única coisa boa do longa.

Em 2012, estreou na TV a série “Meu Passado me Condena”, estrelada por Fábio Porchat e Miá Mello. Devido ao sucesso do programa, aliado à popularidade gigantesca de seu protagonista (especialmente pelas produções voltadas para a internet), não demorou para que a trama fosse levada ao cinema. A roteirista Tati Bernardi e a diretora Júlia Rezende, as mesmas do seriado, foram as responsáveis pela adaptação.

O filme conta a história de Fábio (Fábio Porchat) e Miá (Miá Mello), que se casaram apenas um mês depois de se conhecerem. Depois de um casamento civil atrapalhado em um cartório, eles chegam ao navio que vai levá-los, em lua de mel, para um cruzeiro até a Itália. Dentro do navio, eles encontram Beto Assunção (Alejandro Claveaux), ex-namorado de Miá, e sua esposa Laura (Juliana Didone), antiga paixão de Fábio na escola. Além disso, eles são constantemente perseguidos pelos trambiqueiros Suzana (Inez Viana) e Wilson (Marcelo Valle), funcionários do navio.

O roteiro explora com exaustão os dois problemas vividos pelos protagonistas: o fato de estarem casados, mesmo que mal se conheçam, e de, pouco depois, encontrarem importantes interesses amorosos do passado. Ainda que surjam passagens interessantes, como a fila no cartório ou o jantar em um dos restaurantes do navio, essa insistência se mostra exagerada e incômoda.

Os diálogos são previsíveis e sem ritmo. A busca irritante por bordões como “amado”, dito dezenas de vezes por Suzana, ou “ele tá brincando”, demonstra grande falta de preocupação em criar conflitos realmente interessantes para a história. Outro bom exemplo para isso é a discussão entre Fábio e Miá em uma festa a fantasia, completamente inverossímil e fora de propósito.

Outro elemento que se desgasta pela repetição é o merchandising agressivo e inorgânico das atrações do transatlântico em que estão hospedados. Além de exibir constantemente o logotipo da empresa, os personagens fazem questão de demonstrar todas as emoções despertadas por cada ambiente. E sempre que o navio aparece em tela, é mostrado de uma forma que enalteça a sua grandiosidade.

Nos aspectos técnicos, o filme é irregular, apesar de não comprometer. A trama linear facilita o trabalho da montagem, ainda que haja um exagero de cortes em algumas sequências com conversas mais longas. A trilha sonora é correta e cumpre a função de “comentar” o que está se passando. Apesar de pouco presente, o chroma key utilizado nas cenas internas das cabines do navio é constrangedor. A direção, apesar de esforçada, não consegue fugir do formato televisivo nem extrair boas atuações.

Os personagens são unidimensionais e desinteressantes, tanto por serem clichês ambulantes quanto pelas atuações limitadíssimas. Miá aparenta ser fútil e gosta de falar de forma infantil com seu marido, porém quando liga para alguém do trabalho mostra como é “descolada” e bem informada. Beto é o ex namorado rico, bonito, bem sucedido e “bem dotado”, que lê livros de empreendedorismo e fuma charutos. Laura é a ex modelo que se torna pediatra especializada em medicina alternativa.

Os coordenadores Wilson e Suzana têm interesse apenas em aplicar golpes nos passageiros e “fugir daquele lugar” (como se fossem escravos da companhia de cruzeiros). E claro, em constantemente explicar a Fábio e Miá como casamento é uma coisa ruim. Há até espaço para o amigo desagradável que exalta os defeitos do protagonista, além de criar problemas para o casal.

Os bons momentos ocorrem apenas quando Fábio Porchat pode exibir um pouco de seu talento cômico e consegue fugir da mesmice do script, como em uma sessão de massagens ou sempre que xinga seu desafeto. A cena em que ele e o amigo tentam invadir uma despedida de solteiro é um dos poucos realmente engraçados em todo o filme. Em contraponto, o diálogo entre Laura e Miá dentro de uma piscina privativa é dos mais embaraçosos, tanto por ser desnecessário quanto pela fraqueza das atuações.

Infelizmente, os sinais presentes em toda a campanha publicitária em torno da produção se confirmam nos primeiros minutos de projeção. Antes dos créditos iniciais, uma breve propaganda anuncia que a história que será exibida terá continuação no seriado. Isso já é suficiente para ratificar que iríamos assistir apenas a um episódio de uma hora e meia, e não uma obra cinematográfica.

David Arrais
@davidarrais

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