Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de outubro de 2013

O Homem que Ri (2013): adaptação não encontra rumo definido em sua proposta

Ritmo acelerado, tom inconstante e pouco desenvolvimento dos personagens resultam no esvaziamento do longa cuja falta de direcionamento claro é visível logo nas primeiras cenas.

20508452.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxEm 2008, os cinéfilos e maníacos por quadrinhos assistiram boquiabertos a uma das grandes interpretações da história do cinema. Em “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, Heath Ledger levou o Coringa das bandas desenhadas para a história. O característico vilão, interpretado anteriormente por Jack Nicholson, em uma atuação também brilhante, tem como marcas as brincadeiras mortais e seu visual marcante. Ah, o visual! Quem não se lembra do cabelo verde, terno roxo e o sorriso macabro? Reza a lenda que o sorriso foi inspirado em outro grande personagem do cinema: Gwynplaine, vivido por Conrad Veidt oitenta anos antes em “O Homem que Ri” (1928).

O clássico romance de Vitor Hugo sobre o herdeiro de um lorde inglês que, ainda criança, é cirurgicamente deformado com um permanente sorriso em seu rosto ganha uma nova versão dirigida por Jean-Piérre Ameris. A produção francesa de 2013 dá novos ares à Inglaterra do século XVII enquanto acompanhamos a trajetória de Gwynplaine, desde seu abandono quando criança até suas viagens em uma caravana de artistas circenses acompanhado da linda e cega Déa e de seu mentor, o vivido e bonachão Ursus.

Ao representar de forma contraditória uma Inglaterra onde a fome e a miséria tomam conta de grande parte da população, a fotografia demasiadamente limpa e clara trabalha no sentido contrário na construção daquele que parece ser um ambiente opressor. Mesmo a pequena e pobre carroça onde o protagonista viaja deixa grandes doses de luz entrar por suas frestas dando um estranho tom de fábula que permeará todo o longa.

Sem direcionamento definido,  a fotografia parece estar mais concentrada em destacar um interessante, porém fora de contexto, trabalho da direção de arte, que lembra por vezes e de maneira rasa o clima fantasioso/macabro de Tim Burton. O exagero nas cores, principalmente o vermelho, contrasta com um clima soturno e sombrio acaba por demonstrar a indecisão sobre os rumos seguidos pelo filme, perdido entre a fantasia inocente e um drama que critica a sociedade da época.

Apesar disso, a maquiagem tem seus bons momentos, como a própria caracterização de Gwynplaine, claramente influenciada pela versão Nolan do arquiinimigo de Batman, com suas cicatrizes nos cantos da boca ou mesmo o excesso de camadas nos rostos da realeza britânica, em sua frivolidade, luxo e preocupação com a imagem.

O roteiro demasiado sintético e a montagem frenética e repleta de elipses aumentam dramaticamente o passo da projeção, prejudicando seu ritmo. Já na cena inicial, os acontecimentos são tão acelerados que temos a impressão de um desenvolvimento rápido e irreal. Em um momento, por exemplo, um Ursus protetor diz ao jovem protagonista que nunca retire o pano que esconde suas cicatrizes, já que elas impediriam sua aceitação na sociedade, e logo na cena seguinte o mesmo Ursus se aproveita da exibição das cicatrizes para ganhar dinheiro! Sem explicação ou maior desenvolvimento, reviravoltas assim acontecem, o que causa surpresa e desconfiança no espectador.

Mesmo com um trabalho apressado da montagem, o som encontra interessantes aplicações em transições de cenas por meio de sons diegéticos produzidos por um músico circense. O som das taças de cristal, serrotes e pianolas tocados por tal músico acabam, também, por fazer parte da trilha sonora que remete ao clima fantástico presente nos trabalhos de Danny Elfman.

O ritmo inconstante ainda termina por não ajudar nas atuações, já que pouco acompanhamos o desenvolvimento dos personagens. Gérard Depardieu liga o piloto automático para interpretar um competente, porém discreto trabalho com Ursus, enquanto Marc-André Grondin e Christa Theret se esforçam para conferir profundidade e emoção a Gwynplain e Déa. O destaque fica para a participação de Emanuelle Seigner, que apresenta uma duquesa corrompida por sua própria realidade hedonista.

“O Homem que Ri” tem como sua principal falha a falta de um direcionamento definido, o qual é revelado explicitamente na cena da vestimenta do marquês de Clancharlie que alterna momentos cômicos com a apresentação dramática de um quadro triste e nostálgico. Um desfecho clichê (e dos grandes!) marca uma produção de caminho dividido entre a inocência melodramática e a crítica social, tão perdido ou contraditório quanto o maior filho de seu original: um palhaço que, ao invés de alegria, espalha o terror em Gotham.

Obs.: Tentei ao máximo possível, e espero ter conseguido, fugir das comparações com a versão de 1928, que é muito melhor!

Mateus Almeida
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